sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

[0026] «A Cidade do Teatro» e a Educação

No passado dia 19 de Novembro foi apresentado na Casa da Cerca, em Almada, o livro «A Cidade do Teatro».
Trata-se de uma apresentação dos 47 grupos que participaram nas 20 edições do Mostra de Teatro de Almada (portanto de 1996 até este ano), enriquecida por um percurso através dos seus contextos histórico, político e social.
Muito desta história e vários destes grupos teve uma forte e interessante à educação.


A Cidade do Teatro [edição comemorativa pelos 20 anos da MOSTRA DE TEATRO DE ALMADA / 1996-2016] foi coordenada por Sarah Adamopoulos e editada este ano em Almada, pela Câmara Municipal de Almada e pelo Ninho de Víboras.


Eis um seu apanhado, parcialmente histórico, sobretudo as ligações entre o teatro e as escolas ...

Em 1509 Gil Vicente escreve e estreia em Almada o «Auto da Índia», para entretenimento da corte (pp. 39-40).
E, em 1843, Almeida Garrett faz decorrer em Almada o seu «Frei Luís de Sousa» (pp. 44-45).

A partir daí, o teatro em Almada é marcado pelos que em Almada vivem.
Com a fundação, em 1848, da mais antiga colectividade de Almada, a «Sociedade Filarmónica Incrível Almadense» (pp. 52-53), e com a cisão que levou à fundação, em 1895, da «Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense» (p. 53), o teatro encontrou duas das colectividades onde se desenvolveria durante todo o século XX, a elas se tendo juntado outras (pp. 53-61).
As lutas operárias no início do século XX, em Almada, nomeadamente nos sectores corticeiro e moageiro, foram uma das origens para o surgimento de novas associações, visando a solidariedade, a instrução e o recreio, algumas fundadas ainda no século XIX, nelas tendo surgido grupos musicais e grupos cénicos (pp. 62-65).
“O teatro fazia-se com todos e para todos, incluídos os de outros lugares, por vezes distantes, e de outros costumes – característica constitutiva do teatro não burguês.” E, usado também como forma de tomada de consciência pelos anarquistas e socialistas, “o teatro toma uma parte considerável do lugar anteriormente ocupado pela música, que já não chegava para sossegar os espíritos de todos.” (p. 63)
“Compostos por diferentes actuações, os programas dos espectáculos promovidos pelas colectividades de cultura e recreio integrarão o teatro, a música e a poesia, terminando muitas vezes com bailes, cuja música era executada pelas filarmónicas e outros agrupamentos musicais – distinguindo-se do que sucedia nos palcos burgueses, onde havendo teatro não havia música, o inverso sendo também verdadeiro.” (p. 65)

A criação, em 1929, da Inspecção-Geral dos Espectáculos iniciou um longo período de fiscalização e repressão da liberdade de expressão (pp. 65-68): “Os anos mais pesados no Estado Novo uniformizam o teatro, popularizando sobremaneira o teatro de revista, as operetas musicais, e, enfim, o teatro mais ligeirinho e de entretenimento.” (p. 69)
Algumas colectividades irão resistir a esta pressão e serão baluartes da oposição ao regime (pp. 69-71). Em 1969, em Almada, “o Jornal das Colectividades celebrava o teatro amador feito pela população como uma manifestação de expressão e liberdade do carpinteiro, do electricista, da modista ou da cabeleireira que encontravam na arte dramática uma actividade que engrandecia os seus horizontes e os poupava à platitude da mais banal quotidianidade.” (p. 71)
As colectividades foram sempre as universidades e os palcos do povo, e também lugares onde as pessoas puderam aprender o que era a democracia, através das assembleias de associados e dessas práticas participativas.” (Domingos Torgal, citado na p. 72)

Entre 1967 e 1969: Rogério Carvalho, professor de Matemática na Escola Industrial e Comercial Emídio Navarro (e mais tarde na Anselmo de Andrade) organizou “grupos de teatro escolares, trabalhando com a professora de Português Elsa Rodrigues dos Santos.” (António Matos, citado nas pp. 74-75)
Em 1967: Helena Peixinho, professora de Português e Francês, cria um Clube de Teatro na Escola D. António da Costa, onde também “havia ateliers de Jornalismo, de Poesia, de História”, “actividades extracurriculares que aconteciam fora do horário escolar, sendo contudo muito participadas, por alunos que tinham idades compreendidas entre os 9 e os 14 anos (p. 76).
Em 1972: nasce na Emídio Navarro o grupo de teatro Amadores de Almada, resultado do “trabalho de experimentação teatral de um professor de Matemática [Rogério Carvalho] para quem o teatro era já então uma forma de existir, de estar no Mundo e de olhar para todas as coisas que há nele.”
Em 1974: alguns dos estudantes envolvidos nos Amadores de Almada cria o Teatro de Acção Cultural de Almada (pp. 73-74)
Em 1981: as actividades do Clube de Teatro da Escola António da Costa são designadas por Linguagem Teatral (p. 76); “pretendíamos relacionar a Expressão Dramática com o Teatro, utilizá-los como instrumento de afirmação do eu (ser único e autónomo) e no respeito pelo outro.” (Helena Peixinho, citada na p. 77)
A partir de 1986, ano em que a Lei de Bases do Sistema Educativo foi aprovada: “Na sequência dessa legitimação foram criados cursos de formação para professores e foram formados muitos professores em Almada. João Mota, Miguel Loureiro ou José Pedro Caiado, entre outros, vinham aos sábados a Almada, à Sala de Dança da Escola D. António da Costa, fazer formação gratuita aos professores. E Joaquim Benite recebia os professores-formandos no antigo Teatro Municipal de Almada, actual Teatro-Estúdio António Assunção. Eram sábados inesquecíveis. Porque eram transformadores. O teatro atingia as pessoas de forma intensa, continha uma implicação emotiva. O que teve repercussões importantes na formação de públicos, pois talvez mais importante do que fazer nascer nos alunos e formandos, em geral, o desejo de ser actor é aprender a ver teatro.” (Helena Peixinho, citada na p. 77)

Uma das motivações para esta formação de professores visava o uso do “teatro na actividade lectiva”, o que Helena Peixinho já fizera em relação ao Português e ao Francês (p. 78).
O Mundo do Espectáculo começou por ser “um projecto apresentado por Helena Peixinho e Ângela Mota à ESE de Setúbal e aprovado pelo seu Conselho Científico”, com “residência na Escola D. António da Costa”, tendo mais tarde dado origem à associação almadense com o mesmo nome. A esta associação “estão ligados vários pedagogos” (p. 78), como “Manuel João, fundador e director do Teatro & Teatro, projecto nascido numa escola de fronteira entre Almada e Seixal, de carácter assumidamente formativo e composição continuamente variável e aberta à comunidade em geral.” (p. 79)
“Com Helena Peixinho e os seus pares e continuadores, o teatro mudou o rosto da escola e dos seus habitantes, e abriu outros horizontes – desde logo, a possibilidade de criar algo novo, mesmo se com materiais preexistentes, como amiúde sucede com os textos dramáticos que são usados nas escolas. As Férias Artísticas e o Festival Inter-Escolas (cujo objectivo inicial foi o de proporcionar o intercâmbio de experiências e aprendizagens das escolas integradas no projecto, e não a competição entre aquelas) são frutos ainda sobreviventes desses tantos anos em que o teatro esteve tão presente nas escolas de Almada e do Seixal (os lugares de onde provinham os professores-formandos.” (p. 79)
(…) estas actividades extracurriculares potenciavam uma melhoria ao nível do comportamento e do aproveitamento dos alunos. O teatro mudava a forma de estar na escola e na vida.” (Ângela Mota, citada na p. 79)

Nos anos de 1970 surgiram em Almada outras fontes, não escolares, para o teatro, como o Grupo de Iniciação Teatral da Trafaria, nascido em 1972 (p. 81), e o Centro Cultural de Almada, fundado em 1979 (p. 88). E na década seguinte nasceu a Companhia de Teatro de Almada (p. 91), uma “parceria estratégica” entre o Grupo de Campolide, que lhe deu origem, e a autarquia almadense (p. 101).
Alguns dos actores envolvidos nestes grupos deram continuidade ao “trabalho de formação teatral nas escolas” que havia sido iniciado nos anos 70 (p. 94).
Em 1984, o Teatro da Academia Almadense organizou a primeira edição da Festa de Teatro de Almada (p. 95), que mais tarde se internacionalizou, e se transformaria no actual Festival de Almada (pp. 95-96).

1996 é o primeiro ano da Mostra de Teatro de Almada (p. 149), “iniciativa que partiu da Câmara Municipal de Almada” (p. 135): “Penso que um dos aspectos interessantes da Mostra foi ter proporcionado aos [diversos] grupos [de teatro com actividade em Almada] esse encontro e o conhecimento mútuo. (…). Os grupos são hoje uma comunidade, que se encontra fora do espaço da Mostra, para aí estabelecer trocas. Há uma enorme mobilidade nalguns elementos, que colaboram com grande naturalidade nos projectos de outros, coisa que antes da Mostra não acontecia, creio.” (Teresa Pereira, citada na p. 136)
A Mostra é a única plataforma de comunicação entre os grupos e a Câmara, uma oportunidade imperdível de contactar com os responsáveis autárquicos e estes comprovarem que o parco apoio público que lhes é dado tem resultados muito positivos, quer na relação de proximidade que existe na comunidade quer na dignidade das suas realizações.” (Maria João Garcia, citada na p. 139)

Outras pistas, respigadas aqui e acolá neste livro, sobre a ligação entre «escola» e «teatro»:
·      Karas (João Teixeira), do grupo «Ninho de Víboras», começou a fazer teatro na Escola Secundária do Monte de Caparica (p. 124);
·      O grupo Artes e Engenhos, com sede na Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova de Lisboa (p. 207);
·      O grupo As Raparigas … de Três Pontinhos foi “formado por ex-alunos da disciplina de Oficina de Expressão Dramática da Escola Básica e Secundária Anselmo de Andrade, no ano lectivo 1999-2000, que haviam trabalhado em contexto escolar A Casa de Bernarda Alba, de Federico Garcia Lorca.” (p. 211)
·      O grupo B.O.T.A. foi criado por “alguns jovens recém-saídos do ensino secundário – onde tinham participado num clube de teatro, muito activo, dirigido por Isabel Canto, professora de Português e Francês, em colaboração com outras duas docentes, na Escola Secundária nº 2 do Laranjeiro” (p. 215);
·      O Novo Núcleo de Teatro da FCT foi criado por estudantes da Faculdade de Ciências e Tecnologia (p. 277);
·      O grupo Teatro & Teatro teve por “génese o teatro feito em contexto escolar a partir de 1988 pelo professor, encenador e pedagogo teatral Manuel João”, sendo “inicialmente integrado unicamente por ex-alunos de Expressão Dramática da Escola Básica de Corroios” (p. 351).

2 comentários:

  1. Perguntei-me porquê apenas «20 edições», e não «21», dado a 1ª ter ocorrido em 1996 e a 20ª em 2016.
    Esclareci a questão, depois de consultar o www.mostradeteatrodealmada.blogspot.pt/: a 1ª edição foi realizada no «fim de 1996; e a 2ª «no início de 1998» (pouco mais de um ano depois); não houve edição durante «1997».

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