sábado, 22 de dezembro de 2018

[0170] Memórias de almadenses sobre a sua educação (II)

Com o apoio dos seus professores, os alunos do 9º ano do Agrupamento de Escolas Anselmo de Andrade entrevistaram os seus Avós, tendo a síntese dessas entrevistas originado um livro com um bonito título: Conta-me que eu conto. Os Avós na minha idade. Retratos sociais de Almada entre 1950 e 1974.
A seguir estão citados partes dos testemunhos que estes Avós deram sobre a educação que tiveram, à semelhança do feito neste blogue em relação a um outro livro (mensagem nº 112).




Aprender antes de ir para a escola:

Lembro-me que caía uma chuva miudinha, que lá se chamava molha-parvos, mas que aqui se dizia de molhos-tolos. Corrigiram-me logo, embora eu não soubesse o que era um tolo achava que, na verdade, era a mesma chuva. Logo a seguir aprendi que não se dizia manita nem canito, mas sim mãozinha e cãozinho, assim como passadêra aqui era passadeira. Já estava a aprender tanta coisa e nem sequer ainda tinha visto a escola.
Entrevistado: Carlos Nascimento (ao chegar para viver em Almada, em 1958, vindo do Algarve)

P`ra semana começava a escola e era necessário fazer um reconhecimento desta nova terra. Aprender a localização da escola, o caminho do autocarro e os atalhos a pé.
Entrevistado: Carlos Nascimento

A separação de vias:

Depois disso [exame de admissão ao 1º Ciclo] fui frequentar um curso técnico. [Como sabe] Filho de família pobre tem que ir para o Curso Industrial, quando muito para o Curso Comercial; frequentar o Liceu era outra coisa! Por acaso, isto acaba logo a seguir ao 25 de Abril … A Escola Industrial e Comercial estava carimbada! Eu achei mal ter acabado, foi uma pena, mas a verdade é que há uma razão e a razão é que estava estigmatizada: os pobres vão para ali, os ricos vão para outro lado … Então, acaba-se com isto [no 25 de Abril de 1974]
Entrevistado: José Manuel Maia

A separação entre Rapazes e Raparigas:

Havia escolas apenas para os meninos e outras para as meninas.
Entrevistado: Alberto Pedro Martins Calvário

O material escolar no 1º Ciclo:

Um livro escolar; lápis; borracha; dois cadernos (quadriculado e pautado); pasta (onde se levava o material). Só alguns dos alunos com mais posses económicas é que tinham o privilégio de possuir uma caixinha com lápis de cor
Entrevistado: Maria de Lourdes Borges Ribeiro Limão da Veiga Freira

Havia uma espécie de farda obrigatória para os rapazes, calças de ganga com alças e peitilho tendo bordado as iniciais da escola (EICDAC – Escola Industrial e Comercial D. António da Costa), o nome, o número e a turma do aluno, que a minha mãe teve de bordar em pouco tempo
Entrevistado: Carlos Nascimento

A escola era muito diferente do que é hoje, a variedade de materiais escolares era pouca e resumia-se ao ainda hoje «célebre» livro de leitura, caderno de linhas, caderno de contas «quadriculado» e um caderno de folhas brancas «desenho», lápis, borracha, caneta de tinta permanente. Começávamos pela ardósia com o respectivo «lápis de pedra» e pelo caderno de duas linhas
Entrevistado: Manuel Martins Cargaleiro

O que se aprendia no 1º Ciclo:

Na Primária eu sabia de cor as dinastias e os reis …, sabia de cor todos os rios e as serras de Portugal Continental, o nome de todas as Ilhas dos arquipélagos dos Açores e Madeira e o nome das colónias e os seus rios
Entrevistado: Carlos de Almeida Vitória

Os métodos de ensino no 1º Ciclo:

Eram baseados nos livros e manuais escolares, na explicação do professor e no que ele escrevia no quadro
Entrevistado: Graciano Rodrigues Filipe

Líamos uma ou outra página do livro e fazíamos, dia sim, dia não, cópias, muitas contas e problemas, redações e desenhos
Entrevistado: Alcina Cardoso

Era escrever a matéria que era dada pelo professor, que também escrevia no quadro
Entrevistado: Fernando Cristo

O ensino na altura era muito exigente e todos os alunos tinham de decorar as matérias e a tabuada: 2 x 2 – 4; 8 x 3 - 24
Entrevistado: Dinora Palma Pereira Cardoso

Eu levei reguadas na mão esquerda, pois costumava escrever com ela e a professora queria que eu escrevesse com a direita. Agora escrevo com as duas
Entrevistado: Odília da Felicidade Dias Gonçalves

Os professores reagiam de forma normal, mas quando um aluno não sabia alguma coisa que perguntassem levava reguadas; era castigado
Entrevistado: Edite dos Santos Marques

Iam pra a janela com orelhas de burro quando não sabiam a lição, levavam reguadas nas mãos com a chamada «menina dos 5 olhos» quando se portavam mal e levavam com um ponteiro na cabeça quando não estavam com atenção
Entrevistado: Maria Mesquita

Os tempos livres no 1º Ciclo:

Eu brincava à apanhada, às escondidas, fazíamos uma roda com um lencinho que deixávamos cair numa amiguinha, cantávamos a «linda falua que lá vai lá vai», brincávamos ao bom barqueiro …
Entrevistado: Maria Alice Viegas Batista Jorge

Os tempos livres depois do 1º Ciclo:

jogar à bola”, “jogar o bilas (berlindes) às três covinhas”, jogar aopião”;
quando chovia”, nas “ruas navegávamos com barquinhos de cortiça ou casca de pinheiro e no jardim navegávamos com caixotes de madeira que íamos surripiar às mercearias”;
subir montes e vales”, “guerras e coboiadas”, “mergulhos no Tejo, apesar das ostras frequentemente deixarem as suas marcas nos nossos pés”, “apanhávamos fruta: íamos à chincha”;
saía com a família”;
irmos aos bailaricos e em excursões”;
fazer “teatro” na associação, “brincávamos às peças de teatro
Entrevistados: Fernando dos Santos Andrade; Odília da Felicidade Dias Gonçalves; Carlos Nascimento

Ir ou não ir à escola:

Era obrigatório ir à escola, mas alguns dos rapazes da minha idade, para ajudarem os pais no campo, não foram à escola. as raparigas, essas não era costume mandá-las à escola, pelo que ajudavam as mães na lida da casa
Entrevistado: José Maria Caldeira Gonçalves

Os filhos dos pais remediados faziam um curso secundário. Filhos com pais que tinham possibilidades económicas (eram muito poucos) faziam curso universitário
Entrevistado: Manuel Maria

Só se estudava até à quarta classe. Depois iam trabalhar para o campo de um modo geral. Não havia férias. O tempo era utilizado na ajuda aos pais
Entrevistado: José Maria Caldeira Gonçalves

Não havia tempos livres. Só depois de sair da escola e eram usados para ajudar nas lides do campo
Entrevistado: Maria Natalina Mourão Teixeira Artur

Nas aldeias faziam de tudo, desde a ceifa, a rega, apanhar fruta, apanhar azeitonas, colher cereais …
Entrevistado: José Manuel Ribeiro Pereira

Aprendizagens fora da escola:

As colectividades serviam para as pessoas conviverem e aprenderem …, pelo menos naquela altura. (…); eram uma espécie de escolas …
Entrevistado: José Manuel Ribeiro Pereira

A nossa sociedade. O nosso clube, onde tinham estado todos os nossos parentes. Onde educávamos filhos. Onde arranjávamos o casamento num baile … Portanto, aquilo era uma família. Agora, não vai para a colectividade, vai para a ginástica ou para o Karaté. Hoje não há aquele relacionamento que havia anteriormente
Entrevistado: Alexandre Castanheira

[A Lisnave] foi uma grande aprendizagem. Eu contactei ali com gente, que do ponto de vista do saber e do sentimento pelas ideias de liberdade, de justiça social, era muito enriquecedora. Aquele sentimento que ali havia, da luta do trabalho, era muito forte … não era esterilizado, era o que era!
Entrevistado: José Manuel Maia

Posso afirmar que [a guerra em Moçambique] foi simultaneamente uma das minhas piores épocas de vida, mas também uma época de uma grande aprendizagem, uma aprendizagem excecional. A relação do ponto de vista da solidariedade, do espírito de entreajuda, da atenção para com o próximo, foi uma verdadeira maravilha e uma maravilhosa experiência de vida.
Entrevistado: José Manuel Maia

Fonte bibliográfica: Mendonça, Cruz & Almas (2017; pp. 17, 18, 25, 33, 35, 42, 43, 53, 54, 55, 58, 61, 62-64, 70, 71, 74, 78, 84 e 115)

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