sábado, 20 de janeiro de 2018

[0112] Memórias de almadenses sobre a sua educação

A 1ª República (1910-26) determinou em 1919 a obrigatoriedade de 5 anos de escolaridade para todas as crianças.
O Estado Novo (1926-74) só em 1956 exigiu o 4º ano do primeiro ciclo aos rapazes e em 1969 às raparigas; mas em 1972 ainda aceitava que a escolaridade obrigatória estivesse cumprida desde que as crianças entre os 7 e os 13 anos tivessem sido aprovadas no exame da 3ª classe, ou pelo menos tivessem frequentado a escola.

Em 2014 e 2015, no âmbito de um estudo mais geral, foram realizadas 30 entrevistas individuais sobre as histórias de vida a 15 mulheres e a 15 homens, maiores de 65 anos, residentes no concelho de Almada. A duração média dessas entrevistas foi de de 2h30, cada uma distribuída por dois dias consecutivos. Muitos destes almadenses não terão nascido nem frequentado a escola no concelho de Almada, só aqui tendo chegado em idade adulta.


Partes dessas entrevistas dizem respeito aos percursos escolares dos entrevistados.

Uns gostavam da escola, pelo que aí aprendiam:

Tinha um certo gosto em andar na escola, porque eu gostava muito de escrever, e ainda gosto de escrever, gostava de fazer letras, tudo. Aprendi muita coisa.
Entrevistado 17; 67 anos; 1º Ciclo do Básico

Outros gostavam da escola, pelas outras oportunidades de que aí dispunham:

Eu não era muita boa na escola (…). Eu gostava de ir à escola para a paródia, mas não era para as letras, porque eu para as letras não tinha grande jeito. As minhas irmãs tinham mais. Não tinha grande jeito, não. Queria era paródia.
Entrevistada 15; 81 anos; 1º Ciclo do Básico

Gostava, pela mesma maneira das camaradagens que a gente tinha, e tudo o mais, amigos.” (p. 39)
Entrevistado 17; 67 anos; 1º Ciclo do Básico

Uns não gostavam da escola, não tendo obtido qualquer grau de escolaridade:

Não, não gostava de ir à escola. Palavra de honra que não. (…) eu queria era galderice, fugia sempre, não aprendia nada, nada.
Entrevistada 14; 75 anos; sem escolaridade

Chegava ao fim e já não queria saber da escola. Já não sei o ABC (…) fugia da escola, fugia.
Entrevistado 16; 75 anos; sem escolaridade

Outros estudaram, mas não quiseram continuar a estudar, ou resignaram-se à vida, ou às posses, do seu tempo:

Eu fiz a quarta classe quando era para fazer a quarta classe (…). Lá não havia [sítio] para se estudar, não havia (…), tinha que se vir cá para fazer a admissão ao liceu, e os meus pais perguntaram se eu queria estudar, e eu não queria, não quis estudar. Criança, coisas de criança.
Entrevistada 25; 79 anos; 1º Ciclo do Básico

E também a mentalidade daquele tempo, não. As meninas … Já lhe disse que só uma família lá, eram dois, mas eram primos, é que os filhos estudaram. E outras pessoas que tinham quintas e tudo mas não passava pela cabeça deles irem estudar, tinham que continuar a tomar conta das coisas que tinham, os pais ensinavam aos filhos e eles começavam logo a trabalhar.
Entrevistada 9; 76 anos; 1º Ciclo do Básico

Uns quiseram estudar, ou continuar a estudar, mas não o puderam concretizar:

Eu queria ir para a escola, queria, mas o meu pai não me deixava, tinha isto para fazer, tinha o me irmão para cuidar, tinha isto para fazer, tinha tudo para fazer (…). Eu poucos dias fui à escola. e os dias que eu lá fui adorava.
Entrevistada 2; 74 anos; sem escolaridade

A vida não me dava essa possibilidade, não me dava esse valor de eu poder estudar. Quem é que não gosta de estudar e de tirar um curso? eu sonhava um dia ser … Gosto de mexer em ferros, gostava em garoto, agarrei-me aos carros e isso tudo, e «um dia hei-de ser um engenheiro de máquinas, um arquitecto», somos nós a pensar, não é? Mas ada disso foi possível.
Entrevistado 12; 74 anos; 3º Ciclo do Básico

Eu gostava de ter podido [estudar], ter possibilidades para enfermagem.
Entrevistada 20; 76 anos; 1º Ciclo do Básico

Eu estudei, fiz a quarta classe, na altura até era difícil lá as pessoas fazerem a quarta classe, nem era obrigatório, era só a terceira. Eu tive que esperar um ano para conseguir entrar numa turma com mais duas raparigas e o resto era tudo rapazes. Pronto, naquele tempo era assim. E a minha mãe não me pôde pôr a estudar porque a vida não dava, não dava para isso.
Entrevistada 10; 72 anos; 3º Ciclo do Básico

Também não havia dinheiro. Porque a gente, depois da quarta classe, a gente já sabe que havia a admissão ao liceu, o que é é que não havia já. Também para a quarta classe o dinheiro já era escasso, quanto mais para liceus.
Entrevistado 17; 67 anos; 1º Ciclo do Básico

Outros, só mais tarde perceberam o que perderam por não terem estudado mais:

Tenho, tenho [pena de não ter estudado]. Pois, a estudar já a gente sabia, e assim olhe, estamos sempre com os olhos assim fechados, onde quer que a gente vá está sempre com os olhos, nunca sabe nada, pois, nunca sabe nada. Elas lêem e fazem coisas, saem e sabem para onde vão, e a gente não. A gente não sabe ler, não sabe nada.
Entrevistada 18; 82 anos; sem escolaridade

Mas uns tantos regressaram à escola e obtiveram algo do que queriam:

Na altura não tinha posses, andava a trabalhar, por aqui, por ali, onde calhava, e nunca pensei bem nisso. E depois lá na fábrica houve a possibilidade e então eu e mais outras tirámos a quarta classe, na altura em que havia pouco trabalho, estivemos na reciclagem, e então aproveitámos, aproveitaram para dar a quarta classe, várias coisas.
Entrevistada 20; 76 anos; 1º Ciclo do Básico

Eu queria tirar a carta de motorista, mas eu só tinha a terceira classe, e naquele tempo Salazar já exigia a quarta, e então eu fui à escola, com os meus dezasseis, dezassete anos, e tirei a quarta classe.
Entrevistado 19; 86 anos; 1º Ciclo do Básico

Andei no liceu (…) até ao segundo ano (…). Depois interrompi, e depois fui até ao quinto, o antigo quinto ano [hoje 9º ano]. (…). Era uma ou duas disciplinas, e ia andando assim, durante uns anos (…). Fui fazendo por disciplinas, até que atingi isso, não é? Foi assim durante uns anos, eu ia fazendo, ia fazendo o que podia, e cheguei lá.
Entrevistado 12; 74 anos; 3º Ciclo do Básico

Fonte: Lopes, Zózimo, Ramalho, Pegado & Pereira (2016; pp. 17-18, 36, 37, 38, 39, 44, 45, 47, 48, 76, 77 e 77-78)

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