segunda-feira, 6 de julho de 2020

[0242] As antigas praias de Tróia: entrevistas feitas por alunos de Setúbal


Em 2008-09 as turmas do 9º ano da Escola Secundária D. João II, em Setúbal, realizaram, na disciplina de História, um levantamento sobre como a população setubalense passava as férias de Verão na Península de Tróia, nas décadas de 1950, 1960 e 1970:

Capa do livro (recortada)

A sua principal fonte consistiu nos testemunhos recolhidos, através de entrevistas, aos seus familiares e vizinhos mais velhos, tendo o material recolhido sido trabalhado em aulas e fora delas. Por fim, seis professores transformaram essa recolha num livro, cuja primeira edição saiu em Maio de 2009.

Nos Verões dos anos 50 não era apenas Tróia a praia escolhida pelos setubalenses, também o eram as da Figueirinha e de Albarquel. E também vinham para estas praias as gentes de Palmela e de Azeitão e, ao fim-de-semana, do Montijo, do Barreiro e do Pinhal Novo.
Alguns dos entrevistados lembram-se de, sendo ainda jovens nessa altura, passarem em Tróia quase todo o Verão, estando grande parte desse tempo os seus pais a trabalhar. Outros lembram-se de lá passarem apenas um mês, um ou semana, ou tão só alguns dos fins-de-semana.

Testemunhos de alguns dos entrevistados:

A época balnear começava em Junho e acabava no final de Setembro.

Por volta dos anos 60, as carreiras eram limitadas: dois barcos que iam de manhã para Tróia e duas carreiras que vinham de tarde para Setúbal. Era muito limitado! É claro que com o passar dos anos, com o número de pessoas a aumentar, a frequentar a praia, começou a haver mais carreiras, mas no princípio era assim.

Vinha tudo carregado com as panelas e com os tachos dentro do barco da Tróia.

As pessoas, se quisessem, podiam até fazer casas em madeira, pois na altura não se pagava o terreno. Mas a maioria arranjava a areia de modo que ficasse direitinha. De seguida punham a tendinha e uma manta por baixo, outra por cima, estava feito! Ou então dormiam por cima de um todo ou uma manta, com aquelas velas dos barcos e os mastros faziam um tipo de tenda por baixo das velas com uma manta.

As mulheres que não trabalhavam tomavam conta dos seus filhos e também dos filhos daquelas que iam trabalhar.

Iam para a praia tomar banho, passar o dia … levavam o almoço já feito em casa. Estendiam uma toalha mesmo na areia e era aí que comiam. Outras faziam-no nas barracas que havia na praia, com fogareiros a carvão e onde se vendia bebidas.

Pela tarde, as crianças corriam ao ouvir o pregão: «Cá está o Ervilha! O Ervilha nunca falha». Este pregão era do homem dos sorvetes.

Antigamente a gente corria aquilo tudo de lés a lés.

O nosso passatempo nessa altura era irmos à pesca, os mais velhos e os mais novos. Naquele tempo [1955] havia muito peixe, muita amêijoa e berbigão, muitas navalhas e entretínhamo-nos a apanhar petiscos.

Berbigão aberto na brasa, ameijôas da marinha feitas de cebolada e também havia navalhas abertas na brasa.

Jantávamos e depois mais tarde conversávamos uns com os outros. Fazíamos uma fogueira, preparávamos uma cafeteira de café e depois havia um senhor que sabia tocar viola. Ele tocava e nós conversávamos uns com os outros sobre a vida.

Na Caldeira existe uma capelinha com a Nossa Senhora do Mar. Todos os anos, em Agosto, a senhora sai da capela levada pelos pescadores numa procissão. Essa festa começava numa sexta e acabava numa segunda com os pescadores todos atrás do barco que levava a Santa.

Nos anos 50 e 60 as fábricas de conserva de peixe que hoje já não existem apitavam todas e as operárias vinham para a muralha acenar à santa com lenços brancos, mas hoje já não se vê isso porque as fábricas fecharam.

Em 1961 o arquitecto Rafael Botelho, no jornal «O Setubalense», defendeu que não se deveria valorizar a Península de Tróia através da construção, mas sim pela sua natureza e pelo usufruto desta. No entanto, por volta de 1970, o mesmo jornal anuncia as primeiras propostas oficiais e privadas para a promoção do grande turismo em Tróia.

Fonte: Colectivo do 9º ano da Escola Secundária D. João II (2019; os testemunhos correspondem às pp. 24, 28, 32, 36, 37, 42, 43, 43-44, 45, 48 e 97)

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