Na passada 5ª feira (dia 8 de Fevereiro), Manuel Carvalho
da Silva proferiu uma conferência na sede Sul do Sindicato dos
Professores da Grande Lisboa. Título: Agir contra a corrente: Desafios aos Professores e aos
Sindicatos (mensagem «0033»).
O seu raciocínio sustentou-se (implicitamente) numa
preocupação que começa a tornar-se central: em quê basear uma reformulação social?
Um exemplo desta preocupação está patente num artigo recente
do sociólogo Razmig Keucheyan: «Aquilo de que (realmente) precisamos».
Aí ele refere o pioneiro da «ecologia política», desde os
passados anos 50 e 60, André Gorz (1923-2007) que procurou
fundamentar as opções do colectivo numa teoria das necessidades humanas.
Escreveu Keucheyan: “Segundo
André Gorz, a sociedade capitalista tem como divisa: «O que é bom para todos
não vale nada. Tu só serás respeitado se possuíres algo ´melhor` do que os
outros». Podemos opor-lhe uma divisa ecologista: «só é digno de ti o que é bom
para todos. Só merece ser produzido o que não privilegia nem rebaixa ninguém». Aos
olhos de Gorz, uma necessidade qualitativa caracteriza-se por não conferir
«distinção».”
Carvalho da Silva propôs dois grandes princípios para responder
a esta preocupação: o da «saúde» e o do «tempo». Na sua intervenção foi
possível distinguir duas formas de abordar o menos óbvio princípio do «tempo»:
por um lado, o da luta, porque ele nos
é crescentemente «roubado» (através da intensificação do trabalho, da
acessibilidade permanente a quem trabalha, etc.); por outro lado, o da afirmação, pois também nós procuramos
definir (e impor) o que fazer com ele.
O irreversível «tempo» não foi sempre encarado do mesmo
modo, porque as sociedades mudaram. No século XVII, por exemplo, Frei António das Chagas
(1631-1682) escreveu sobre ele o seguinte poema, cantado hoje por Camané:
Conta e Tempo
Deus pede {hoje] estrita conta de meu tempo.
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta.
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar a minha conta feita a tempo
O tempo me foi dado, e não fiz conta,
Não quis, sobrando tempo fazer conta,
Hoje quero acertar conta e não há tempo.
Oh! vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta.
Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo.
Mas Frei António das Chagas escrevia já num tempo em que a
noção de tempo começara a mudar fortemente. Patricia Fara, historiadora da
ciência, escreveu sobre essa mudança: “Registar o
tempo implica exercer controlo. Quando os relógios mecânicos foram
introduzidos, no final do século XIII, impuseram horários religiosos regulares
às atividades tradicionais das aldeias; seiscentos anos mais tarde, relógios
mais precisos disciplinavam a sociedade, de forma cada vez mais estrita.”
Com os extremos a que este controlo está hoje a chegar, não será
necessário alterarmos a ênfase na «defesa do tempo que temos» para a ênfase na «afirmação
do modo como o queremos usar»?
Fontes: Keucheyan
(2017); Chagas, cantado por Camané (2015); Fara (2013; p. 261)
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