Nasceu em 1941
Foi jurista,
professor universitário e ministro da Justiça |
“Eu
sou natural da Nazaré, uma terra que era na altura uma terra razoavelmente
forte enquanto vila piscatória e onde havia imensa pobreza. Havia uma clara
distinção entre o pé calçado e o pé descalço. Eu fiz toda a instrução primária
na Nazaré onde havia duas escolas, uma em baixo e outra em cima. Na escola de
cima andavam os filhos dos pés calçados. Mas os meus pais quiseram, e bem, que
eu estivesse na escola dos pescadores, dos pés descalços. Eu fiquei sempre na
escola deles e muitos dos meus amigos de infância fizeram a vida de pescador.
Eu
tinha muito a noção do que era a miséria grande que havia na Nazaré, o que isso
significava relativamente ao mar, o que isso significava relativamente à pesca,
o que significava relativamente ao perigo brutal dos naufrágios que aconteciam.
Havia sempre gente de luto na Nazaré e isso fez-me sempre compreender que essa
distinção entre o pé calçado e o pé descalço correspondia na Nazaré à geografia
da terra. Ia-se até um certo sítio e era a zona do pé calçado, ia-se daí para a
frente e era a zona do pé descalço.”
“Há
uma justiça para ricos e uma justiça para pobres, como há uma saúde para ricos
e uma saúde para pobres, como há uma educação para ricos e uma educação para
pobres. Porque o modo de chegar à justiça, o modo de chegar à saúde e o modo de
chegar à educação, tem caminhos que ainda estão fora da justiça, fora da saúde
e fora da educação. E quando se chega, já se vai em situação de diferenciação.
O importante é acabar com os pobres. A luta deve ser essa. A pobreza é uma
violação de direitos humanos e o grande objectivo é a erradicação da pobreza.
Foi o que se fez com a escravatura, foi o que se fez com o apartheid.”
“Quando
falo nesta Europa que caminhou para a predominância dos interesses, do dinheiro
e dos mercados, a escola veio transformar-se num instrumento disto. E isso é
extraordinariamente negativo porque, no fundo, nós estamos a formar para isto,
quando devíamos estar a formar para uma dissidência possível relativamente a
isto, onde a escola devia formar cidadãos cultos, capazes de terem sentido
crítico e serem dissidentes. E não. Ela está a formar gente com pensamento
único. Se nós perdermos a dimensão cidadã, perdemos o único capital que temos
modificador do mundo e da vida.”
Fonte: Laborinho, entrevistado (2018; p. 45)