segunda-feira, 27 de julho de 2020

[0245] Educação Patrimonial (I)

Quem hoje circula pela N10, entre Cacilhas e a Cova da Piedade, na margem Sul do Tejo, e sobretudo para quem sai desta estrada para se aproximar do rio, onde ficam o Caramujo e a Romeira, depara-se com uma paisagem pós-industrial onde abundam os espaços e os edifícios degradados ou em ruínas. O que já foi urbanamente central é, agora, urbanamente limítrofe:



O Caramujo e a Romeira são uma pequena parte da chamada Frente Ribeirinha nascente de Almada, uma faixa que acompanha a margem do rio Tejo desde Cacilhas até ao Arsenal do Alfeite, no Laranjeiro:



Toda a Frente Ribeirinha, e em particular o Caramujo e a Romeira, tiveram muitos usos ao longo da História. Aí existiram quintas agrícolas e de recreio. Aí existiram moinhos, oficinas, fábricas e estaleiros destinados à moagem da farinha, à construção naval e à transformação da cortiça, dando um profundo contributo para o arranque e o desenvolvimento da revolução industrial em Portugal. E foi aí, entre as grandes e as pequenas instalações dessas indústrias, que muitos dos que nelas trabalharam viveram. Observando com atenção, ainda se pode adivinhar como neste espaço se misturaram oficinas e fábricas, casas e vilas, tabernas e cafés.


Ainda vivem hoje no Caramujo e na Romeira muitas pessoas que outrora aí trabalharam, e outras que entretanto aí chegaram:



Tomando esta extensa zona pós-industrial como exemplo para a Educação Patrimonial, importa atender às estruturas que sobreviveram (o património material) mas, sobretudo, às memórias e às aspirações daqueles que aí trabalharam e viveram e daqueles que ainda aí trabalham e vivem (o património imaterial).


Entrevistas feitas a actuais moradores dão-nos uma ideia do que as suas memórias nos têm a dizer…

… sobre o papel económico que este espaço desempenhou desde as lutas liberais do século XIX: “O processo de desenvolvimento do nosso país passava todo por aqui …

… sobre o ambiente de trabalho:Vocês não imaginam o que era isto aqui. Às oito horas tocavam 18 apitos.

… sobre a pujança da vida local: “Isto era o bairro que mais vida tinha”.

E também nos dão uma ideia acerca dos desejos e dos receios sobre o futuro deste espaço …

… daqui a 100 anos, disse um rapaz, ele será “Uma piscina com água de mar com escorregas. Um hotel.” Para um jovem, “Não há-de melhorar muito vão ver. Vai continuar tudo igual”. Mas, para uma jovem, será “Uma área de referência, não como agora, hoje ninguém sabe onde está a Romeira.” Ou, para uma primeira moradora: “Para mim tudo o que fizeram que seja pelo melhor, tudo bem.” E, para outra: “Para mim também, já não tenho ideia de sair daqui. Já aqui estou quase há 70 anos. E agora já não vou para lado nenhum.” Já a proprietária de um estabelecimento comercial achou “Que aqui é uma área tão grande, num sítio tão bonito, tão perto ao rio (um sítio) onde as pessoas pudessem de facto viver e trabalhar de forma sustentável, não é? Podem fazer um museu, podem fazer aquilo que entenderem, sustentabilidade para as pessoas que aqui vivem e que aqui trabalham. E que houvesse uma evolução”. E um homem de certa idade: “Gostava que voltasse a ser uma zona industrial de construção naval. Se alguma vez isto acontecer era bom.


Um das apresentações que serviu de base para esta mensagem está acessível a partir da página «Documentos» deste blogue (clicar, aí, em Documentos da Nossa Banda).


Fonte: apresentações em Power Point de Blum (2019; 2020)

Imagens: duas composições de fotografias de Eva Maria Blum e um mapa adaptado a partir de imagem do Google Maps

Revisão da mensagem: Eva Maria Blum


terça-feira, 21 de julho de 2020

[0244] 20 de Julho: a nova data para o Dia Internacional do Xadrez


Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os Dias Internacionais são ocasiões para “educar”, para “mobilizar” e para “celebrar”.
A proposta de um destes dias novo é feita pelos Estados membros da ONU, cabendo depois à Assembleia Geral aprová-los, cuidando que eles reflictam as preocupações com a “paz” e a “segurança” internacionais, com o “desenvolvimento sustentável”, os “direitos humanos”, a “lei internacional” e a “acção humanitária”.
A ONU cuida ainda de acompanhar o modo como cada um destes dias é publicamente adoptado todos os anos. E concluiu que entre os mais populares se encontram o Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de Dezembro), o Dia Internacional das Mulheres (8 de Março), o Dia Mundial da Água (22 de Março) e o Dia Internacional da Paz (21 de Setembro).

O dia em que são celebrados simultaneamente mais Dias Internacionais é o 21 de Março (cinco celebrações). E o mês em que o mesmo acontece é Junho.
Além dos Dias Internacionais, e com os mesmos propósitos, existem também Semanas Internacionais, Anos Internacionais e Décadas Internacionais.

Ontem, 20 de Julho, comemorou-se pela primeira vez o Dia Internacional do Xadrez nesta data.
A Federação Internacional do Xadrez (FIDE) comemorava-o, desde 1966, no dia 19 de Novembro, dia do nascimento de um dos mais extraordinários campeões mundiais, o cubano José Raúl Capablanca, em 1888. Mas foi proposto passar a comemorá-lo no dia em que a própria FIDE foi fundada, 20 de Julho de 1924, o que a ONU aprovou em Dezembro passado.


Na fundamentação apresentada para esta aprovação a ONU recorda assim as origens deste jogo:


O Xadrez é um jogo de estratégia para dois jogadores. Nele são movidas diferentes peças, num tabuleiro quadrado e quadriculado, dispondo cada tipo de peça de um conjunto de possíveis movimentos, cada jogador visa capturar a peça Rei do opositor.
Há hoje mais de 2 mil variantes deste jogo já recenseadas. Segundo uma teoria, esta família de jogos foi iniciada no Norte do Subcontinente Indiano, no período Gupta (de cerca 319 a 543 d.C.), sendo então designado por Chaturanga, tendo sido difundido, para Oeste, através da Rota da Seda, até à Pérsia.
Quando o Chaturanga chegou à Pérsia dos Sassânidas, por volta de 600 d.C., chamava-se Chatrang, transformando-se, mais tarde, em Shatranj. Esta data corresponde ao mais antigo manuscrito conhecido que se refere a este jogo. É de origem persa e descreve a chegada de um embaixador vindo do Subcontinente Indiano para visitar o Rei Khosrow I (531 – 579 d.C.) e que o presenteia com este jogo.
A partir da Pérsia, e seguindo a Rota da Seda para Sul e ainda mais para Oeste, o Shatranj chegou à Península Arábica e a Bizâncio.
Em 900 d.C., dois mestres Abássidas, al-Suli e al-Lajlaj, escreveram sobre as técnicas e a estratégia deste jogo. E por volta de 1000 d.C. o Xadrez era popular por toda a Europa e na Rússia, onde fora introduzido através da estepe euro-asiática.
Os manuscritos do Rei Alfonso que hoje são conhecidos como «Libro de los Juegos» (Livro dos Jogos) referem-se a três tipos de jogos muito populares no século XIII, entre eles o Xadrez, cujas regras são descritas de modo muito parecido às do Shatranj persa.

E apresenta deste modo os argumentos para que o Xadrez tenha o seu Dia Internacional:

Os desportos, as artes e as actividades físicas têm o poder de mudar as percepções, os preconceitos e os comportamentos, ajudando as pessoas a quebrar as barreiras raciais e políticas, a combater a descriminação e o conflito, pelo que contribuem para promover a educação, o desenvolvimento sustentável, a paz, a cooperação, a solidariedade, a inclusão social e a saúde aos níveis local, regional e internacional.
O Xadrez é um dos jogos mais antigos, intelectuais e culturais, combinando desporto, pensamento científico e elementos artísticos.
Sendo um jogo global, promove a justiça, a inclusão e o mútuo respeito, podendo contribuir para uma atmosfera de tolerância e compreensão entre os povos e as nações.

Fonte: sítio da ONU (os textos, adaptados, foram traduzidos do inglês)

Imagem: sítio da organização Chess.com

sábado, 11 de julho de 2020

[0243] Dois meses com a Ciência Viva no Verão




A 24.ª edição da Ciência Viva no Verão é uma edição especial que destaca o projecto Circuitos Ciência Viva, cujo lema é “Deixe-se guiar pela curiosidade!”. Nestas férias conheça Portugal com cultura e ciência, sempre na companhia de especialistas: são mais de 200 acções, em 500 datas, por todo o país, organizadas por Centros Ciência Viva, associações científicas, autarquias e empresas.

Visitas nocturnas de exploração dos Jardins do Bom Jesus, em Braga, passeios de moliceiro à descoberta dos tesouros naturais da Ria de Aveiro, visitas a uma das maiores jazidas com pegadas de dinossáurios jurássicos da Península Ibérica, em Vale de Meios, percursos no Aqueduto das Águas Livres, passeios de caiaque à descoberta da Ria Formosa e descidas à Mina de Sal-Gema Campina de Cima, em Loulé, são algumas das acções a decorrer entre 15 de Julho e 15 de Setembro.

Acções disponíveis no distrito de Setúbal:

No Moinho de Maré da Mourisca (Herdade da Mourisca, concelho de Setúbal)

Movimento das aves (18 de Julho, às 9h30)
Entre o Mar e a Terra: Interpretação da paisagem, fauna e flora (25 de Julho, às 17h30)

No Complexo de Salinas do Samouco (Samouco, concelho de Alcochete)

Observação de aves selvagens para Iniciantes (18, 19, 25 e 26 de Julho, às 10h00
Ciclo do Sal (22 e 29 de Julho e 5 de Agosto, às 10h00)

No Centro Ciência Viva do Lousal (Lousal, concelho de Grândola)

Cobras de Portugal (18 de Julho, às 10h30)
O Lobo vai ao Lousal (25 de Julho, às 10h00)
Viagem ao Centro da Terra (1 de Agosto, às 10h00)
Plantas em Movimento (1 de Agosto, às 16h00)
Nos trilhos da Serra (5 de Setembro, às 9h00)

No Cristo Rei (rotunda do Cristo Rei, concelho de Almada)

Do Cristo Rei ao Tejo – Uma descida no tempo (23 de Julho, às 9h15)

No Parque da Paz (Cova da Piedade, concelho de Almada)

Estação da Biodiversidade do Parque da Paz (24 de Julho, às 9h15)

A descrição e a localização destas e das outras acções já está acessível em




As inscrições abrem às 15h00 do dia 13 de Julho (2ª feira), sendo feitas através do anterior endereço.

Fonte (texto e imagem): sitio da Ciência Viva

segunda-feira, 6 de julho de 2020

[0242] As antigas praias de Tróia: entrevistas feitas por alunos de Setúbal


Em 2008-09 as turmas do 9º ano da Escola Secundária D. João II, em Setúbal, realizaram, na disciplina de História, um levantamento sobre como a população setubalense passava as férias de Verão na Península de Tróia, nas décadas de 1950, 1960 e 1970:

Capa do livro (recortada)

A sua principal fonte consistiu nos testemunhos recolhidos, através de entrevistas, aos seus familiares e vizinhos mais velhos, tendo o material recolhido sido trabalhado em aulas e fora delas. Por fim, seis professores transformaram essa recolha num livro, cuja primeira edição saiu em Maio de 2009.

Nos Verões dos anos 50 não era apenas Tróia a praia escolhida pelos setubalenses, também o eram as da Figueirinha e de Albarquel. E também vinham para estas praias as gentes de Palmela e de Azeitão e, ao fim-de-semana, do Montijo, do Barreiro e do Pinhal Novo.
Alguns dos entrevistados lembram-se de, sendo ainda jovens nessa altura, passarem em Tróia quase todo o Verão, estando grande parte desse tempo os seus pais a trabalhar. Outros lembram-se de lá passarem apenas um mês, um ou semana, ou tão só alguns dos fins-de-semana.

Testemunhos de alguns dos entrevistados:

A época balnear começava em Junho e acabava no final de Setembro.

Por volta dos anos 60, as carreiras eram limitadas: dois barcos que iam de manhã para Tróia e duas carreiras que vinham de tarde para Setúbal. Era muito limitado! É claro que com o passar dos anos, com o número de pessoas a aumentar, a frequentar a praia, começou a haver mais carreiras, mas no princípio era assim.

Vinha tudo carregado com as panelas e com os tachos dentro do barco da Tróia.

As pessoas, se quisessem, podiam até fazer casas em madeira, pois na altura não se pagava o terreno. Mas a maioria arranjava a areia de modo que ficasse direitinha. De seguida punham a tendinha e uma manta por baixo, outra por cima, estava feito! Ou então dormiam por cima de um todo ou uma manta, com aquelas velas dos barcos e os mastros faziam um tipo de tenda por baixo das velas com uma manta.

As mulheres que não trabalhavam tomavam conta dos seus filhos e também dos filhos daquelas que iam trabalhar.

Iam para a praia tomar banho, passar o dia … levavam o almoço já feito em casa. Estendiam uma toalha mesmo na areia e era aí que comiam. Outras faziam-no nas barracas que havia na praia, com fogareiros a carvão e onde se vendia bebidas.

Pela tarde, as crianças corriam ao ouvir o pregão: «Cá está o Ervilha! O Ervilha nunca falha». Este pregão era do homem dos sorvetes.

Antigamente a gente corria aquilo tudo de lés a lés.

O nosso passatempo nessa altura era irmos à pesca, os mais velhos e os mais novos. Naquele tempo [1955] havia muito peixe, muita amêijoa e berbigão, muitas navalhas e entretínhamo-nos a apanhar petiscos.

Berbigão aberto na brasa, ameijôas da marinha feitas de cebolada e também havia navalhas abertas na brasa.

Jantávamos e depois mais tarde conversávamos uns com os outros. Fazíamos uma fogueira, preparávamos uma cafeteira de café e depois havia um senhor que sabia tocar viola. Ele tocava e nós conversávamos uns com os outros sobre a vida.

Na Caldeira existe uma capelinha com a Nossa Senhora do Mar. Todos os anos, em Agosto, a senhora sai da capela levada pelos pescadores numa procissão. Essa festa começava numa sexta e acabava numa segunda com os pescadores todos atrás do barco que levava a Santa.

Nos anos 50 e 60 as fábricas de conserva de peixe que hoje já não existem apitavam todas e as operárias vinham para a muralha acenar à santa com lenços brancos, mas hoje já não se vê isso porque as fábricas fecharam.

Em 1961 o arquitecto Rafael Botelho, no jornal «O Setubalense», defendeu que não se deveria valorizar a Península de Tróia através da construção, mas sim pela sua natureza e pelo usufruto desta. No entanto, por volta de 1970, o mesmo jornal anuncia as primeiras propostas oficiais e privadas para a promoção do grande turismo em Tróia.

Fonte: Colectivo do 9º ano da Escola Secundária D. João II (2019; os testemunhos correspondem às pp. 24, 28, 32, 36, 37, 42, 43, 43-44, 45, 48 e 97)