Quem hoje circula pela N10, entre Cacilhas e a Cova da
Piedade, na margem Sul do Tejo, e sobretudo para quem sai desta estrada para se
aproximar do rio, onde ficam o Caramujo e a Romeira, depara-se com uma paisagem pós-industrial onde abundam os espaços e os edifícios degradados
ou em ruínas. O que já foi urbanamente central é, agora, urbanamente limítrofe:
O Caramujo e a Romeira são uma pequena parte da chamada Frente Ribeirinha nascente de Almada, uma faixa que acompanha a margem do rio Tejo desde Cacilhas até ao Arsenal do Alfeite, no Laranjeiro:
Toda a Frente Ribeirinha, e em particular o Caramujo e a Romeira, tiveram muitos usos ao longo da História. Aí existiram quintas agrícolas e de recreio. Aí existiram moinhos, oficinas, fábricas e estaleiros destinados à moagem da farinha, à construção naval e à transformação da cortiça, dando um profundo contributo para o arranque e o desenvolvimento da revolução industrial em Portugal. E foi aí, entre as grandes e as pequenas instalações dessas indústrias, que muitos dos que nelas trabalharam viveram. Observando com atenção, ainda se pode adivinhar como neste espaço se misturaram oficinas e fábricas, casas e vilas, tabernas e cafés.
Ainda vivem hoje no Caramujo e na Romeira muitas pessoas que outrora aí trabalharam, e outras que entretanto aí chegaram:
Tomando esta extensa zona pós-industrial como exemplo para a Educação Patrimonial, importa atender às estruturas que sobreviveram (o património material) mas, sobretudo, às memórias e às aspirações daqueles que aí trabalharam e viveram e daqueles que ainda aí trabalham e vivem (o património imaterial).
Entrevistas feitas a actuais moradores dão-nos uma ideia do que as suas memórias nos têm a dizer…
… sobre o papel económico que este espaço desempenhou desde as lutas liberais do século XIX: “O processo de desenvolvimento do nosso país passava todo por aqui …”
… sobre o ambiente de trabalho: “Vocês não imaginam o que era isto aqui. Às oito horas tocavam 18 apitos.”
… sobre a pujança da vida local: “Isto era o bairro que mais vida tinha”.
E também nos dão uma ideia acerca dos desejos e dos receios sobre o futuro deste espaço …
… daqui a 100 anos, disse um rapaz, ele será “Uma piscina com água de mar com escorregas. Um hotel.” Para um jovem, “Não há-de melhorar muito vão ver. Vai continuar tudo igual”. Mas, para uma jovem, será “Uma área de referência, não como agora, hoje ninguém sabe onde está a Romeira.” Ou, para uma primeira moradora: “Para mim tudo o que fizeram que seja pelo melhor, tudo bem.” E, para outra: “Para mim também, já não tenho ideia de sair daqui. Já aqui estou quase há 70 anos. E agora já não vou para lado nenhum.” Já a proprietária de um estabelecimento comercial achou “Que aqui é uma área tão grande, num sítio tão bonito, tão perto ao rio (um sítio) onde as pessoas pudessem de facto viver e trabalhar de forma sustentável, não é? Podem fazer um museu, podem fazer aquilo que entenderem, sustentabilidade para as pessoas que aqui vivem e que aqui trabalham. E que houvesse uma evolução”. E um homem de certa idade: “Gostava que voltasse a ser uma zona industrial de construção naval. Se alguma vez isto acontecer era bom.”
Um das apresentações que serviu de base para esta mensagem está acessível a partir da página «Documentos» deste blogue (clicar, aí, em Documentos da Nossa Banda).
Fonte: apresentações
em Power Point de Blum (2019; 2020)
Imagens: duas composições de fotografias de Eva Maria Blum e um mapa adaptado a partir de imagem do Google Maps
Revisão da mensagem: Eva Maria Blum