Em
2015, milhares de alunos do ensino secundário de São Paulo (Brasil), procurando
resistir ao projecto de reorganização do ensino público do então governador do
estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, ocuparam mais de 200 das suas escolas. Organizaram-se
para nelas permanecerem de dia e de noite e aí realizaram assembleias de
autogestão e aulas sobre pensamento crítico. Letícia Karen, então com 15 anos,
recordou as razões da resistência: “A gente só
ficou sabendo do projecto de Geraldo Alckmin através do jornal. Até lá, nem os
professores nem as classes estudantis sabiam de nada (…). Todos sabíamos que
era um corte na educação pública, que não era para melhorar: para quê fechar
escolas quando o que precisamos é de muitas mais?”
A mobilização
tinha, aliás, sido iniciada por manifestações de rua, apoiadas por entidades
escolares e por sindicatos de professores, mas rapidamente se tornou autónoma. E
como os estudantes se aperceberam de que as manifestações não eram suficientes,
decidiram ocupar as escolas, inspirando-se no exemplo da Revolução dos Pinguins
dos alunos do ensino secundário chilenos, em 2006.
As
ocupações duraram dois meses, e o que os estudantes viveram e aprenderam equivaleu
ao que viveriam e aprenderiam ao longo de muitos anos. De novo o testemunho,
hoje, de Letícia Karen: “A gente desconstruiu
aquele ensino baseado na escola ditatorial e construiu junto outra coisa. Fomos
descobrindo outras possibilidades de existência ali dentro, coisa que nunca
tínhamos feito antes.”
No
final de 2015, este movimento conseguiu que o projecto de reorganização do
ensino público paulista fosse suspenso. Mas ainda havia muitos outros problemas:
as más condições das escolas, os salários em atraso das empregadas de limpeza e
dos professores, as salas de aula superlotadas (40 a 50 alunos para um
professor). “A gente costuma dizer que nós
ocupamos as escolas não só porque elas iam fechar, mas por toda a precarização
do ensino público”, precisa Letícia.” Por
isso, em 2016, os estudantes juntam à sua lista de protestos questões como o
desvio do dinheiro das merendas, os projectos de lei ligados ao movimento
conservador e retrógrado Escola sem Partido e a reforma do ensino secundário
anunciada pelo governo de Michel Temer. De São Paulo, a mobilização estende-se a outras cidades, com
manifestações e mais de 1000 escolas e universidades públicas ocupadas.
A
repressão policial aumenta. “Havia muita
perseguição, eles já sabiam quem nós éramos. Havia, do nada, espancamentos na
rua de companheiros nossos”, diz Letícia.
Obrigados por decreto-lei a sair das escolas e com a polícia à porta para os
receber à saída, os estudantes estavam “muito
afectados psicologicamente” e não sabiam “como continuar” este tipo
de luta.
O projecto de reorganização do
ensino acabou por ser posto em prática, de outro modo, com outro nome, e as
escolas continuaram precarizadas.
Os estudantes, no entanto,
perceberam que tinham uma voz: “Surgiram várias
associações estudantis dentro das escolas, muitas direcções foram derrubadas e
a gente recebe notificações de manifestações todos os dias. Criou-se uma rede
de apoio a partir do movimento.” E também perceberam que podiam agir por
outros meios: “A
ocupação não era mais viável, então resolvemos continuar a resistir através da
arte.”
Fonte: notícia
de Duarte (2019), livremente resumida nesta mensagem
A mensagem «0023», de Outubro
de 2016, já havia referido este movimento estudantil