Para quem, vindo da Amora ou da Torre de Marinha, se desloca na direcção do Seixal, a Quinta da Fidalga passa quase desapercebida. Logo após a rotunda que assinala o término da Arrentela, a Quinta situa-se à direita, por detrás do muro branco que acompanha a estrada. Querendo estacionar, para uma agradável e instrutiva visita, é mais fácil fazê-lo no sentido do regresso, que se pode tomar ou na bomba de gasolina ou na próxima rotunda (a que tem uma instalação de homenagem aos bombeiros).
A Quinta teve origens no século XV, e nela ainda se pode ver o essencial que
caracterizou as centenas de quintas que, até bem dentro de século XX, ladearam
Lisboa a Norte e a Sul, estando estas na margem esquerda do Tejo. Quem nela hoje
entra começa por ver a casa nobre e o jardim, inclui este um invulgar Lago de
Maré. Depois, afastando-se gradualmente, vê os pomares, sendo alguns exclusivamente
de citrinos, situados no interior de um sistema de rega reticulado. Ladeando os
pomares encontram-se vários pontos de lazer (grutas, pequenos lagos, longos bancos).
Só bem mais longe, após subir para um nível mais elevado, encontra o largo
poço, com um alcatruz enferrujado, sendo perceptível como, a partir dele, a
água seguia até ser armazenada num vasto tanque, deste seguindo para os
pomares.
Não é tão certa a identificação do local onde se situariam a seara, a vinha, o
olival, a horta e as árvores destinadas a proporcionar lenha, bem como os
indispensáveis lagares, mas o espaço para tudo isto era abundante, estando
agora parcialmente ocupado por estufas.
O arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles (1922-2020) explicou, numa entrevista a Eva Maria Blum, em 18 de Fevereiro de 2005, como eram estas quintas e como desapareceram.
Gonçalo Ribeiro Telles:
As “pessoas importantes e que tinham dinheiro,
tinham uma casa de Verão. A casa de Verão […] era muito perto da cidade. Era na
periferia da cidade. […]. Eram as quintas. Havia à volta das cidades […] um
anel de quintas. O que era essa quinta? Era um micro-mundo. Porquê? Porque a
quinta tinha a casa, mas era simultaneamente de habitação, de produção de
frescos para a casa, de vegetais para a casa.
Tinha depois uma coisa que caracteriza todas as quintas em Portugal, que é o
laranjal. Porquê? Porque a laranja que tínhamos era uma laranja que vinha desde
o tempo romano, azeda. Só para remédios e para coisas assim. Quando chegou a
[actual] laranja, com as descobertas, era doce. Foi um êxito. E quem queria
mostrar o seu prestígio tinha que ter um laranjal. Portanto, tinha outra coisa,
que era o laranjal. Para ter o laranjal teve que aumentar os tanques de rega.
Porque o laranjal exige muita rega, mais do que a horta. Portanto, aumentaram
todo o sistema hidráulico. Se for ver, são tanques enormes nas quintas - quanto
maior é a quinta maior é o tanque - com sistemas de rega, tudo aquilo. Depois,
é tudo decorado.
A quinta tem o sistema hidráulico todo e tem outra coisa fundamental, que é a
mata.
[O] termo «floresta» não é português. […]. Veio de fora, só no século XVIII. O
nome de mata em Portugal, […] não é do povoamento para cortar madeira, é a mata
propriamente, com aspectos ecológicos, com aspectos […] de gestão ajardinada
[…]. Portanto, tinha a mata. […].
[…]. A quinta tinha um dono e tinha os elementos de mata, porque tinha que ter
lenha para se aquecer no Inverno. Tinha que ter mata para poder ter água, por
causa da chuva e da mata. Tinha que ter horta porque não havia supermercados
nem centros comerciais e tinha que ter o laranjal para cheirar bem e porque era
o fruto por excelência.
[…]. Conforme o tamanho e a riqueza do senhor, tinha três, quatro empregados.
Agora, a agricultura estava fora da quinta. Na quinta estava a agricultura de
produção directamente para a casa. […]. A quinta era [murada].
[À volta de] Lisboa contámos […] seiscentas quintas.
[…]. Agora, como é que isto foi tudo destruído?
[…] Quando vieram os planos [de urbanização] de pormenor atribuíram a
classificação da quinta exclusivamente à casa da quinta. Quer dizer, [a quinta
está classificada] como um valor cultural e nacional. Você agora vai fazer o
plano. […]. «Toda a gente olha para a casa, para o palácio. Então, porque é que
não [se] há-de construir aqui, no sítio da mata, se nós deixarmos ficar o
palácio? Porque é que não [se] há-de construir no sítio da horta se nós
deixarmos ficar o jardim, que é uma coisa mínima» Nas nossas quintas, como
sabe, o jardim está disperso, está diluído por todo esse sistema. Pelo tanque
da rega, que é um sítio fresco; pela mata onde se passeia; pela horta, que tem
as latadas para os percursos. O jardim é uma coisa mínima. A planta do jardim é
muito ligada à casa. Por isso é que temos aquele sistema do jardim que é o
alegrete. Aquele sistema daqueles murozinhos e plantados […]. Mas [também] tem
mata, tem horta, tem laranjal, tem os alegretes e tem as latadas e tem os
tanques. Ora, o que é que fizeram? «Ora, isto não é nada. Isto pode-se
construir. Só não se pode construir no palácio e no jardim». E destruíram tudo.
Aqui em Lisboa foi uma razia. Ficou a do Marquês de Fronteira [… e mais …] duas
ou três.”
Na margem Sul do Tejo ficou este quinta, no essencial intacta, e visitável,
permitindo que seja usufruída e compreendida. Foi com base nesta quinta que Eugénio
Silva desenhou, a pedido da Câmara Municipal do Seixal, uma «História do Concelho
Seixal», onde se esquematiza como se interligariam os …
Há poucos anos, no extremo do jardim, foi construído, com
projecto do arquitecto Álvaro Siza Vieira, a Oficina de Artes Manuel Cargaleiro.
Se esta Oficina é uma das razões para a visita de escolas ( e de adultos), toda
a Quinta também o é.
Uma descrição da história e da actualidade desta quinta está
acessível a partir da página Documentos (pasta «Documentos da Nossa Banda»).
Entrevista (não
publicada) de Gonçalo Ribeiro Telles a Eva Maria Blum, em 2005
Desenho: BD
de Eugénio Silva (2004)
Fotografias
(tendo uma ou outra sido recortada): Eva Maria Blum, em 2021
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