Com o apoio dos seus professores, os alunos do 9º ano do
Agrupamento de Escolas Anselmo de Andrade entrevistaram os seus Avós, tendo a síntese
dessas entrevistas originado um livro com um bonito título: Conta-me que eu
conto. Os Avós na minha idade. Retratos sociais de Almada entre 1950 e 1974.
A seguir estão citados partes dos testemunhos que estes Avós deram sobre
a educação que tiveram, à semelhança do feito neste blogue em relação a um
outro livro (mensagem nº 112).
Aprender antes de ir para a escola:
“Lembro-me que caía uma chuva miudinha, que
lá se chamava molha-parvos, mas que aqui se dizia de molhos-tolos.
Corrigiram-me logo, embora eu não soubesse o que era um tolo achava que, na
verdade, era a mesma chuva. Logo a seguir aprendi que não se dizia manita nem
canito, mas sim mãozinha e cãozinho, assim como passadêra aqui era passadeira.
Já estava a aprender tanta coisa e nem sequer ainda tinha visto a escola.”
Entrevistado: Carlos Nascimento
(ao chegar para viver em Almada, em 1958, vindo do Algarve)
“P`ra semana começava a escola e era
necessário fazer um reconhecimento desta nova terra. Aprender a localização da
escola, o caminho do autocarro e os atalhos a pé.”
Entrevistado: Carlos Nascimento
A separação de vias:
“Depois disso [exame de admissão ao
1º Ciclo] fui frequentar um curso técnico.
[Como sabe] Filho de família pobre tem que ir para
o Curso Industrial, quando muito para o Curso Comercial; frequentar o Liceu era
outra coisa! Por acaso, isto acaba logo a seguir ao 25 de Abril … A Escola
Industrial e Comercial estava carimbada! Eu achei mal ter acabado, foi uma
pena, mas a verdade é que há uma razão e a razão é que estava estigmatizada: os
pobres vão para ali, os ricos vão para outro lado … Então, acaba-se com isto
[no 25 de Abril de 1974]”
Entrevistado: José Manuel Maia
A separação entre Rapazes e Raparigas:
“Havia escolas apenas para os meninos e
outras para as meninas.”
Entrevistado: Alberto Pedro
Martins Calvário
O material escolar no 1º Ciclo:
“Um livro escolar; lápis; borracha; dois
cadernos (quadriculado e pautado); pasta (onde se levava o material). Só alguns
dos alunos com mais posses económicas é que tinham o privilégio de possuir uma
caixinha com lápis de cor”
Entrevistado: Maria de Lourdes
Borges Ribeiro Limão da Veiga Freira
“Havia uma espécie de farda obrigatória para
os rapazes, calças de ganga com alças e peitilho tendo bordado as iniciais da
escola (EICDAC – Escola Industrial e Comercial D. António da Costa), o nome, o
número e a turma do aluno, que a minha mãe teve de bordar em pouco tempo”
Entrevistado: Carlos Nascimento
“A escola era muito diferente do que é hoje,
a variedade de materiais escolares era pouca e resumia-se ao ainda hoje
«célebre» livro de leitura, caderno de linhas, caderno de contas «quadriculado»
e um caderno de folhas brancas «desenho», lápis, borracha, caneta de tinta
permanente. Começávamos pela ardósia com o respectivo «lápis de pedra» e pelo
caderno de duas linhas”
Entrevistado: Manuel Martins
Cargaleiro
O que se aprendia no 1º Ciclo:
“Na Primária eu sabia de cor as dinastias e
os reis …, sabia de cor todos os rios e as serras de Portugal Continental, o
nome de todas as Ilhas dos arquipélagos dos Açores e Madeira e o nome das
colónias e os seus rios”
Entrevistado: Carlos de Almeida
Vitória
Os métodos de ensino no 1º Ciclo:
“Eram baseados nos livros e manuais
escolares, na explicação do professor e no que ele escrevia no quadro”
Entrevistado: Graciano Rodrigues
Filipe
“Líamos uma ou outra página do livro e
fazíamos, dia sim, dia não, cópias, muitas contas e problemas, redações e
desenhos”
Entrevistado: Alcina Cardoso
“Era escrever a matéria que era dada pelo
professor, que também escrevia no quadro”
Entrevistado: Fernando Cristo
“O ensino na altura era muito exigente e
todos os alunos tinham de decorar as matérias e a tabuada: 2 x 2 – 4; 8 x 3 -
24”
Entrevistado: Dinora Palma Pereira
Cardoso
“Eu levei reguadas na mão esquerda, pois
costumava escrever com ela e a professora queria que eu escrevesse com a
direita. Agora escrevo com as duas”
Entrevistado: Odília da Felicidade
Dias Gonçalves
“Os professores reagiam de forma normal, mas
quando um aluno não sabia alguma coisa que perguntassem levava reguadas; era
castigado”
Entrevistado: Edite dos Santos
Marques
“Iam pra a janela com orelhas de burro
quando não sabiam a lição, levavam reguadas nas mãos com a chamada «menina dos
5 olhos» quando se portavam mal e levavam com um ponteiro na cabeça quando não
estavam com atenção”
Entrevistado: Maria Mesquita
Os tempos livres no 1º Ciclo:
“Eu brincava à apanhada, às escondidas, fazíamos
uma roda com um lencinho que deixávamos cair numa amiguinha, cantávamos a
«linda falua que lá vai lá vai», brincávamos ao bom barqueiro …”
Entrevistado: Maria Alice Viegas
Batista Jorge
Os tempos livres depois do 1º Ciclo:
“jogar à bola”, “jogar o bilas
(berlindes) às três covinhas”, jogar ao “pião”;
“quando chovia”, nas “ruas navegávamos
com barquinhos de cortiça ou casca de pinheiro e no jardim navegávamos com
caixotes de madeira que íamos surripiar às mercearias”;
“subir montes e vales”, “guerras e
coboiadas”, “mergulhos no Tejo, apesar das ostras frequentemente
deixarem as suas marcas nos nossos pés”, “apanhávamos fruta: íamos à chincha”;
“saía com a família”;
“irmos aos bailaricos e em excursões”;
fazer “teatro” na associação, “brincávamos às peças
de teatro”
Entrevistados: Fernando dos Santos
Andrade; Odília da Felicidade Dias Gonçalves; Carlos Nascimento
Ir ou não ir à escola:
“Era obrigatório ir à escola, mas alguns dos
rapazes da minha idade, para ajudarem os pais no campo, não foram à escola. as
raparigas, essas não era costume mandá-las à escola, pelo que ajudavam as mães
na lida da casa”
Entrevistado: José Maria Caldeira
Gonçalves
“Os filhos dos pais remediados faziam um
curso secundário. Filhos com pais que tinham possibilidades económicas (eram
muito poucos) faziam curso universitário”
Entrevistado: Manuel Maria
“Só se estudava até à quarta classe. Depois
iam trabalhar para o campo de um modo geral. Não havia férias. O tempo era
utilizado na ajuda aos pais”
Entrevistado: José Maria Caldeira
Gonçalves
“Não havia tempos livres. Só depois de sair
da escola e eram usados para ajudar nas lides do campo”
Entrevistado: Maria Natalina
Mourão Teixeira Artur
“Nas aldeias faziam de tudo, desde a ceifa,
a rega, apanhar fruta, apanhar azeitonas, colher cereais …”
Entrevistado: José Manuel Ribeiro
Pereira
Aprendizagens fora da escola:
“As colectividades serviam para as pessoas
conviverem e aprenderem …, pelo menos naquela altura. (…); eram uma espécie de
escolas …”
Entrevistado: José Manuel Ribeiro
Pereira
“A nossa sociedade. O nosso clube, onde
tinham estado todos os nossos parentes. Onde educávamos filhos. Onde
arranjávamos o casamento num baile … Portanto, aquilo era uma família. Agora,
não vai para a colectividade, vai para a ginástica ou para o Karaté. Hoje não
há aquele relacionamento que havia anteriormente”
Entrevistado: Alexandre
Castanheira
“[A Lisnave] foi uma grande aprendizagem. Eu
contactei ali com gente, que do ponto de vista do saber e do sentimento pelas
ideias de liberdade, de justiça social, era muito enriquecedora. Aquele
sentimento que ali havia, da luta do trabalho, era muito forte … não era
esterilizado, era o que era!”
Entrevistado: José Manuel Maia
“Posso afirmar que [a guerra em
Moçambique] foi simultaneamente uma das minhas
piores épocas de vida, mas também uma época de uma grande aprendizagem, uma
aprendizagem excecional. A relação do ponto de vista da solidariedade, do
espírito de entreajuda, da atenção para com o próximo, foi uma verdadeira
maravilha e uma maravilhosa experiência de vida.”
Entrevistado: José Manuel Maia
Fonte bibliográfica: Mendonça, Cruz & Almas (2017; pp. 17, 18, 25, 33, 35, 42, 43, 53,
54, 55, 58, 61, 62-64, 70, 71, 74, 78, 84 e 115)
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