A propósito do absurdo que é
pensarmos a educação a partir dos rankings
das escolas [mensagem 0115], eis uma notícia saída hoje no jornal «Público», da
autoria de Cristiana Faria Moreira:
“Alexandra Leal diz que quase ninguém sabe que ali estão,
na Trafaria, mesmo ao lado da praia de São João da Caparica, há para lá de 40
anos. O bairro do 2º Torrão cresceu de forma clandestina ao longo de décadas,
em Almada. Metade das casas não tem saneamento básico, o acesso à água, tal
como à electricidade, é escasso. É para mostrar ao Presidente da República as
condições precárias em que cerca de três mil pessoas vivem naquele bairro de
barracas que Alexandra Leal lançou uma petição, em jeito de carta aberta, que,
à data de publicação deste artigo, tinha reunido perto de 500 assinaturas.
«Estivemos
56 horas seguidas sem electricidade, nós na Fábrica dos Sonhos (centro
comunitário) e eles, crianças, que vivem na área da Fábrica. Estamos num bairro
‘ilegal’ mas feito de seres humanos que, tal como nós, pagam impostos, nasceram
neste mundo e se servem dos mesmos direitos que outros. E escrevo-lhe este
pedido de ajuda em desespero do que é ver, assistir e dar apoio a crianças e
jovens que, dia após dia, vêem os seus direitos humanos violados», escreve
Alexandra Leal.
A
antiga gestora financeira fundou, juntamente com o avô José Gonzalez, de 80
anos, a Associação Cova do Mar, em 2016, para criar campos de férias gratuitos.
Nasceu depois a Fábrica dos Sonhos, um espaço para crianças desfavorecidas
passarem o tempo livre que, segundo Alexandra, já reuniu numa tarde perto de 30
crianças num espaço ´minúsculo`, sem muitas condições.
De
acordo com os números do último Censos, de 2011, viviam naquele bairro 1096
habitantes. Na contagem que a Associação de Moradores fez, em 2016, estão cerca
de 3000. Desses, aponta Alexandra, mais de 200 são crianças e jovens dos seis
aos 17 anos.
«Todos
os dias o acordar deles é uma missão heróica, vão para a escola sem capacidade
de fazer os TPC porque não tinham luz. Os que têm a sorte de estudar para a
faculdade, fazem-no à luz da vela e os incríveis que já lá estão têm de
entregar os trabalhos escritos à mão, porque o PC não funciona sem
electricidade», descreve a fundadora da associação.
O
bairro do 2º Torrão, entre a Cova do Vapor e a Trafaria, começou por ser um
sítio de pescadores junto ao rio Tejo. As primeiras casas clandestinas, a
ocuparem terrenos privados, surgiram na década de 70. Hoje, passa despercebido
aos que por ali passam a caminho das praias de São João da Caparica. Estão às
portas de Lisboa, dizem, «a capital que acolhe o Web Summit», de frente para
Algés, de onde podem «assistir de longe ao NOS Alive cuja luz dos três dias de
festival abafa por completo a falta de luz que existe ano após ano», naquele
bairro, onde o Inverno é «rigoroso», com «cheias por todo o lado».
«Não
existe electricidade legal, a água que corre não é abundante, não temos
saneamento básico, chove em muitas das casa e quartos. Existem ninhos de
carraças, pulgas e ratazana também nas ruas, confesso que dentro da Fábrica
também estamos sujeitos aos ‘Ratatouille’ que não cozinham mas que comem tudo o
que encontram pelo caminho», descreve a fundadora da associação.
A
petição foi lançada a 19 de Janeiro e reuniu já 470 assinaturas. O objectivo é
conseguir que o Presidente da República visite aquele bairro «esquecido» há
décadas.
«Ele
vai ter a perfeita consciência da violação de direitos humanos que ali está.
Temos a plena consciência de que ele não vai ficar indiferente», acredita
Alexandra, que termina a carta em jeito de convite: «Se puder ajudar e tiver
saudades de leccionar, preciso também de professores voluntários e seria um
privilégio poder tê-lo na Fábrica dos Sonhos!».”
Fonte jornalística: Moreira (2018)
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