A autonomia pressupõe a
capacidade de sair dos trilhos repetidos e de construir o próprio caminho, sem
perder de vista o caminho dos outros.
A jornalista Isabel Leiria
deu-nos uma bela descrição da autonomia da Escola 31 de Janeiro, no jornal
«Público de 22 de Outubro de 2007:
«Escola
da Parede apostou no xadrez para melhorar os resultados»
“Na Escola 31 de Janeiro, o
xadrez é uma disciplina como todas as outras, de frequência obrigatória e com
direito a programa e avaliação. Os resultados são positivos
A aula é de Matemática, só que no
quadro branco não estão algarismos, nem contas, mas um enorme tabuleiro de
xadrez colado e algumas peças. Perante duas dezenas de alunos do 2º ano, o
professor Vítor Guerra faz a revisão da matéria dada na semana anterior. Como
se pode mover o bispo, o cavalo e a torre? Pergunta quem quer ir mostrar e são
vinte braços espetados no ar, acompanhados de muitas vozes a pedir: «Eu! Eu!
Eu!»
Vítor Guerra, responsável pelo ensino
de xadrez na Escola 31 de Janeiro, num projecto que faz pioneiro no país este
quase centenário colégio na Parede, tenta convencer os alunos a trocar um peão
por um bispo ou um cavalo por uma rainha. Fazem-se as contas aos pontos de cada
peça e exercita-se o cálculo.
De boca aberta e olhos arregalados, a
turma assiste à negociação entre Vítor e Daniela. O professor quer o rei que a
aluna tem e oferece um cavalo e uma dama. Duas. Três. A cada proposta sobem de
tom os conselhos dos colegas: «Não aceites, não aceites!», como se tentassem
evitar uma tragédia. Entre jogadas e peças comidas, a hora passa rapidamente e
os alunos regressam à sua sala habitual.
«Gosto mais destas aulas porque nas outras
aprende-se no caderno e aqui aprende-se a jogar. É divertido, tem muitas peças
que parecem pessoas», diz Tomás, sete anos.
Raciocínio e saber perder
Há quatro anos que o xadrez faz parte
do currículo do ensino básico (no 1º ciclo integra a componente da Matemática)
e todos os quase 400 alunos da Escola 31 de Janeiro, do 2º ao 9º, têm
obrigatoriamente de frequentar esta disciplina. É aliás uma actividade levada
tão a sério que tem programa - da posição inicial das peças à técnica do mate
com 2 cavalos aprendida no último ano - e é sujeita a avaliação.
«Há seis, sete anos começámos a sentir
que havia alguns problemas com a Matemática. Por outro lado, notávamos que os
alunos davam muitas opiniões mas eram incapazes de argumentar. Não conseguiam
construir um caminho para chegar a uma conclusão. Sabíamos de experiências do
uso do xadrez em escolas lá fora e decidimos avançar», explica Vítor Rodrigues,
director da escola.
E ao fim de quatro anos, Vítor
Rodrigues não tem dúvidas de que já se notam melhorias, sobretudo entre os
alunos que já praticam há mais tempo. «Avançou-se muito ao nível do pensamento
lógico, da argumentação. E por causa dos jogos e dos torneios, os miúdos
habituam-se a saber ganhar e a saber perder.»
Formado em Matemática, jogador profissional,
árbitro e professor de xadrez, Vítor Guerra é o responsável por este projecto -
este ano iniciou-se num outro colégio em Sintra - praticamente desde o início.
«Há estudos que indicam que, com a prática do xadrez, há um implemento de 12 a
15 por cento na melhoria dos resultados escolares. Sobretudo entre os que
praticam com regularidade e se preparam para os torneios.»
Na turma que se segue, do 4º ano,
Vítor Guerra já identificou os dois alunos que gostaria que tivessem uma
preparação especial. É que para além da hora semanal frequentada por todos, há
cerca de 80 que, por demonstrarem grande interesse ou apetência, têm aulas de
apoio à competição, em horário pós-lectivo.
Inês, 9 anos, é uma delas. Aprendeu a
jogar com o avô, continuou a praticar na escola e agora garante que já lhe
ganha. «Gosto de jogar porque se pode fazer truques em que as peças ficam
encurraladas e comer», explica.
De resto, já são visíveis frutos do
investimento feito e uma equipa do escalão menores de 10 anos venceu este ano o
torneio mundial de escolas, na República Checa.
Para muitos, o xadrez tornou-se mais
do que uma disciplina e não é raro encontrar alunos a jogar nos intervalos, nos
pátios e corredores da escola.
Dentro da sala, a prática também é
levada a sério. Frente a frente, 26 alunos do 4º ano protagonizam 13 jogos em
simultâneo, como se de um torneio se tratasse. Há uma folha de registo das
jogadas para cada um e na mesa só há lugar para o tabuleiro, o lápis, a
borracha e o afia. «Estão prontos? Silêncio. Cumprimentem-se [neste momento
todos apertam a mão ao seu "adversário"]. Podem começar», indica o
professor. Ouve-se pouquíssimo barulho na sala, mas Tomás tem dificuldade em
concentrar-se e pede a Vítor que faça os colegas falar mais baixo.
«A partir de três, quatro anos de
experiência, estes alunos já têm uma grande capacidade de concentração e conseguem
ficar três horas a jogar», explica. E a ideia é começar ainda mais cedo, diz
Vítor Rodrigues. «Dentro de dois anos esperamos começar com o xadrez como
matéria obrigatória logo a partir do 1º ano. Mas isto implica mudanças na
aprendizagem ao nível do pré-escolar.»
E se no início as famílias
estranharam, «agora procuram-nos por causa do xadrez», afirma o director.”
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