sábado, 3 de dezembro de 2016

[0021] O Xadrez no currículo da Escola 31 de Janeiro (Parede)

A autonomia pressupõe a capacidade de sair dos trilhos repetidos e de construir o próprio caminho, sem perder de vista o caminho dos outros.
A jornalista Isabel Leiria deu-nos uma bela descrição da autonomia da Escola 31 de Janeiro, no jornal «Público de 22 de Outubro de 2007:

«Escola da Parede apostou no xadrez para melhorar os resultados»

Na Escola 31 de Janeiro, o xadrez é uma disciplina como todas as outras, de frequência obrigatória e com direito a programa e avaliação. Os resultados são positivos


A aula é de Matemática, só que no quadro branco não estão algarismos, nem contas, mas um enorme tabuleiro de xadrez colado e algumas peças. Perante duas dezenas de alunos do 2º ano, o professor Vítor Guerra faz a revisão da matéria dada na semana anterior. Como se pode mover o bispo, o cavalo e a torre? Pergunta quem quer ir mostrar e são vinte braços espetados no ar, acompanhados de muitas vozes a pedir: «Eu! Eu! Eu!»
Vítor Guerra, responsável pelo ensino de xadrez na Escola 31 de Janeiro, num projecto que faz pioneiro no país este quase centenário colégio na Parede, tenta convencer os alunos a trocar um peão por um bispo ou um cavalo por uma rainha. Fazem-se as contas aos pontos de cada peça e exercita-se o cálculo.
De boca aberta e olhos arregalados, a turma assiste à negociação entre Vítor e Daniela. O professor quer o rei que a aluna tem e oferece um cavalo e uma dama. Duas. Três. A cada proposta sobem de tom os conselhos dos colegas: «Não aceites, não aceites!», como se tentassem evitar uma tragédia. Entre jogadas e peças comidas, a hora passa rapidamente e os alunos regressam à sua sala habitual.
«Gosto mais destas aulas porque nas outras aprende-se no caderno e aqui aprende-se a jogar. É divertido, tem muitas peças que parecem pessoas», diz Tomás, sete anos.
Raciocínio e saber perder
Há quatro anos que o xadrez faz parte do currículo do ensino básico (no 1º ciclo integra a componente da Matemática) e todos os quase 400 alunos da Escola 31 de Janeiro, do 2º ao 9º, têm obrigatoriamente de frequentar esta disciplina. É aliás uma actividade levada tão a sério que tem programa - da posição inicial das peças à técnica do mate com 2 cavalos aprendida no último ano - e é sujeita a avaliação.
«Há seis, sete anos começámos a sentir que havia alguns problemas com a Matemática. Por outro lado, notávamos que os alunos davam muitas opiniões mas eram incapazes de argumentar. Não conseguiam construir um caminho para chegar a uma conclusão. Sabíamos de experiências do uso do xadrez em escolas lá fora e decidimos avançar», explica Vítor Rodrigues, director da escola.
E ao fim de quatro anos, Vítor Rodrigues não tem dúvidas de que já se notam melhorias, sobretudo entre os alunos que já praticam há mais tempo. «Avançou-se muito ao nível do pensamento lógico, da argumentação. E por causa dos jogos e dos torneios, os miúdos habituam-se a saber ganhar e a saber perder.»
Formado em Matemática, jogador profissional, árbitro e professor de xadrez, Vítor Guerra é o responsável por este projecto - este ano iniciou-se num outro colégio em Sintra - praticamente desde o início. «Há estudos que indicam que, com a prática do xadrez, há um implemento de 12 a 15 por cento na melhoria dos resultados escolares. Sobretudo entre os que praticam com regularidade e se preparam para os torneios.»
Na turma que se segue, do 4º ano, Vítor Guerra já identificou os dois alunos que gostaria que tivessem uma preparação especial. É que para além da hora semanal frequentada por todos, há cerca de 80 que, por demonstrarem grande interesse ou apetência, têm aulas de apoio à competição, em horário pós-lectivo.
Inês, 9 anos, é uma delas. Aprendeu a jogar com o avô, continuou a praticar na escola e agora garante que já lhe ganha. «Gosto de jogar porque se pode fazer truques em que as peças ficam encurraladas e comer», explica.
De resto, já são visíveis frutos do investimento feito e uma equipa do escalão menores de 10 anos venceu este ano o torneio mundial de escolas, na República Checa.
Para muitos, o xadrez tornou-se mais do que uma disciplina e não é raro encontrar alunos a jogar nos intervalos, nos pátios e corredores da escola.
Dentro da sala, a prática também é levada a sério. Frente a frente, 26 alunos do 4º ano protagonizam 13 jogos em simultâneo, como se de um torneio se tratasse. Há uma folha de registo das jogadas para cada um e na mesa só há lugar para o tabuleiro, o lápis, a borracha e o afia. «Estão prontos? Silêncio. Cumprimentem-se [neste momento todos apertam a mão ao seu "adversário"]. Podem começar», indica o professor. Ouve-se pouquíssimo barulho na sala, mas Tomás tem dificuldade em concentrar-se e pede a Vítor que faça os colegas falar mais baixo.
«A partir de três, quatro anos de experiência, estes alunos já têm uma grande capacidade de concentração e conseguem ficar três horas a jogar», explica. E a ideia é começar ainda mais cedo, diz Vítor Rodrigues. «Dentro de dois anos esperamos começar com o xadrez como matéria obrigatória logo a partir do 1º ano. Mas isto implica mudanças na aprendizagem ao nível do pré-escolar.»
E se no início as famílias estranharam, «agora procuram-nos por causa do xadrez», afirma o director.”



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