Notícia publicada no «Sapo /
Notícias» (http://noticias.sapo.cv/vida/noticias/artigo/1205414.html),
em 5 de Dezembro de 2011, e acedida em 24 de
Setembro de 2016: alunos portugueses aprendem em crioulo
Na escola EB1
de Vale da Amoreira, situada entre a Moita e o Barreiro, todos os dias, nos
últimos quatro anos, acontece um micro fenómeno linguístico. O sucesso da
experiência começa a ser cada vez mais do conhecimento público. Cerca de 19
alunos de uma turma do 1º ciclo, orientada por Ana Josefa e Ana Carina,
professoras de Crioulo e Português, respectivamente, aprendem as matérias nas
duas línguas, durante uma hora e meia, por dia. E os alunos são de origens
diversas: portugueses, filhos de cabo-verdianos, angolanos, guineenses, etc. Os
pais, esses, estão orgulhosos.
O pioneirismo
da experiência vem atraindo a imprensa e a escola já recebeu até a visita da
ministra das Comunidades de Cabo Verde. O projecto da aula bilingue vem sendo
implementado pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC),
desde o ano lectivo 2008/2009, com o financiamento da Fundação Calouste
Gulbenkian.
Houve um tempo
em que os próprios pais de alunos de origem cabo-verdiana desaconselhavam os
seus filhos de falarem o crioulo, como aconteceu com o autor destas linhas: «O
crioulo estraga a língua portuguesa», dizia-se, na altura. Mas a porta da sala
de aula desta turma abre para um admirável mundo novo, um longo passo em
direcção ao futuro, ao conhecimento, à mundividência.
Navegar numa
língua diferente, aos nove anos de idade, é conhecer estórias de «Nho Rei»,
escutá-las com atenção, interpretá-las e explicá-las numa língua-irmã que se
vai dominando, numa idade limpa de complexos e preconceitos. Com o crioulo
chegam as cantigas, viaja-se, em uníssono, no «Barco di Papel», uma turma
inteira transpondo fronteiras, compondo fantasias.
«Na nôs barco
di papel, nu ta bai sonhá um futuro, na nôs barco di papel, nu ta bai té tchiga
Lua»
O próximo passo desta viagem linguística e cultural, diz-nos Ana Josefa,
é uma viagem com os alunos a Cabo Verde, programada para o próximo ano. «Os
contactos já estão a ser feitos nesse sentido e estamos a recolher fundos.» Os
próprios alunos empenham-se também em angariá-los, nem que seja através de
rifas e a venda de uma caneta ao próprio jornalista, por uns meros 2 euros e
meio.
A voz intensa e apaixonada da
professora Ana Josefa é que orienta os acontecimentos dentro da sala. Mas a
estória saída de «Na boca Noti», livro de contos do cabo-verdiano Tomé Varela
da Silva, é que impõe o silêncio. Os alunos escutam atentamente o crioulo
fluído da professora, os contornos da estória, no final todos levantam o dedo
às perguntas.
«Esta turma bilingue é acompanhada por outra monolingue, uma turma de
controle, em que aprendem só em
português, para depois se compararem os resultados. E os resultados da turma
bilingue são claramente superiores», explica Ana Josefa.
Nas cinco horas semanais, o
crioulo de Cabo Verde é a língua de ensino de todas as matérias, os alunos não
aprendem apenas a língua. «Aprendem matemática, estudo do meio, tudo o que for
preciso.»
Quatro anos depois, os resultados estão à vista. Alunos de origens
diversas, filhos de pais portugueses, angolanos, guineenses, dominam o crioulo,
falado e escrito, assumindo a vanguarda numa experiência inédita e com
excelentes resultados.
«De início,
houve pais que não estavam muito de acordo com a ideia dos seus filhos
aprenderem o crioulo. Passado algum tempo, quando escutaram os filhos a falar
ficaram orgulhosos. Alguns até iam tocar na porta de algum vizinho de Cabo
Verde, quando os filhos estavam com dificuldades em fazer os trabalhos de
casa.»
Qual a
variante a ensinar?
Quanto ao
crioulo em si, as duas variantes faladas nas ilhas foram levados em conta pela
professora Josefa. «Logo de início tivemos o cuidado de explicar que em cada
ilha fala-se com algumas diferenças, assim como em Portugal os sotaques variam
de região para região.»
E no que
respeita ao alfabeto ensinado, Ana Josefa não tem dúvidas: «Nós já temos um
alfabeto, que é o ALUPEC, que já foi aprovado, e é com base nele que ensinamos
a escrita em crioulo, para além de quase todos os materiais de ensino, como
livros em crioulo, estão escritos na variante de Santiago.»
Viagem às ilhas
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