A 1ª República (1910-26) determinou em 1919 a
obrigatoriedade de 5 anos de escolaridade para todas as crianças.
O Estado Novo (1926-74) só em 1956 exigiu o 4º
ano do primeiro ciclo aos rapazes e em 1969 às raparigas; mas em 1972 ainda
aceitava que a escolaridade obrigatória estivesse cumprida desde que as
crianças entre os 7 e os 13 anos tivessem sido aprovadas no exame da 3ª classe,
ou pelo menos tivessem frequentado a escola.
Em 2014 e 2015, no âmbito de um estudo mais geral, foram realizadas
30 entrevistas individuais sobre as histórias de
vida a 15 mulheres e a 15 homens, maiores de 65 anos, residentes no
concelho de Almada. A duração média dessas entrevistas foi de de 2h30, cada uma
distribuída por dois dias consecutivos. Muitos destes almadenses não terão
nascido nem frequentado a escola no concelho de Almada, só aqui tendo chegado
em idade adulta.
Partes dessas entrevistas dizem
respeito aos percursos escolares dos entrevistados.
Uns gostavam da escola, pelo que
aí aprendiam:
“Tinha um certo gosto em andar na escola, porque eu
gostava muito de escrever, e ainda gosto de escrever, gostava de fazer letras,
tudo. Aprendi muita coisa.”
Entrevistado 17;
67 anos; 1º Ciclo do Básico
Outros gostavam da escola, pelas
outras oportunidades de que aí dispunham:
“Eu não era muita boa na escola (…). Eu gostava de ir à
escola para a paródia, mas não era para as letras, porque eu para as letras não
tinha grande jeito. As minhas irmãs tinham mais. Não tinha grande jeito, não. Queria
era paródia.”
Entrevistada 15;
81 anos; 1º Ciclo do Básico
“Gostava, pela mesma maneira das camaradagens que a gente
tinha, e tudo o mais, amigos.” (p. 39)
Entrevistado 17;
67 anos; 1º Ciclo do Básico
Uns não gostavam da escola, não
tendo obtido qualquer grau de escolaridade:
“Não, não gostava de ir à escola. Palavra de honra que
não. (…) eu queria era galderice, fugia sempre, não aprendia nada, nada.”
Entrevistada 14;
75 anos; sem escolaridade
“Chegava ao fim e já não queria saber da escola. Já não
sei o ABC (…) fugia da escola, fugia.”
Entrevistado 16;
75 anos; sem escolaridade
Outros estudaram, mas não
quiseram continuar a estudar, ou resignaram-se à vida, ou às posses, do seu
tempo:
“Eu fiz a quarta classe quando era para fazer a quarta
classe (…). Lá não havia [sítio] para se estudar, não havia (…), tinha que se
vir cá para fazer a admissão ao liceu, e os meus pais perguntaram se eu queria
estudar, e eu não queria, não quis estudar. Criança, coisas de criança.”
Entrevistada 25;
79 anos; 1º Ciclo do Básico
“E também a mentalidade daquele tempo, não. As meninas …
Já lhe disse que só uma família lá, eram dois, mas eram primos, é que os filhos
estudaram. E outras pessoas que tinham quintas e tudo mas não passava pela
cabeça deles irem estudar, tinham que continuar a tomar conta das coisas que
tinham, os pais ensinavam aos filhos e eles começavam logo a trabalhar.”
Entrevistada 9;
76 anos; 1º Ciclo do Básico
Uns quiseram estudar, ou continuar
a estudar, mas não o puderam concretizar:
“Eu queria ir para a escola, queria, mas o meu pai não me
deixava, tinha isto para fazer, tinha o me irmão para cuidar, tinha isto para
fazer, tinha tudo para fazer (…). Eu poucos dias fui à escola. e os dias que eu
lá fui adorava.”
Entrevistada 2;
74 anos; sem escolaridade
“A vida não me dava essa possibilidade, não me dava esse
valor de eu poder estudar. Quem é que não gosta de estudar e de tirar um curso?
eu sonhava um dia ser … Gosto de mexer em ferros, gostava em garoto, agarrei-me
aos carros e isso tudo, e «um dia hei-de ser um engenheiro de máquinas, um
arquitecto», somos nós a pensar, não é? Mas ada disso foi possível.”
Entrevistado 12;
74 anos; 3º Ciclo do Básico
“Eu gostava de ter podido [estudar], ter possibilidades
para enfermagem.”
Entrevistada 20;
76 anos; 1º Ciclo do Básico
“Eu estudei, fiz a quarta classe, na altura até era
difícil lá as pessoas fazerem a quarta classe, nem era obrigatório, era só a
terceira. Eu tive que esperar um ano para conseguir entrar numa turma com mais
duas raparigas e o resto era tudo rapazes. Pronto, naquele tempo era assim. E a
minha mãe não me pôde pôr a estudar porque a vida não dava, não dava para isso.”
Entrevistada 10;
72 anos; 3º Ciclo do Básico
“Também não havia dinheiro. Porque a gente, depois da
quarta classe, a gente já sabe que havia a admissão ao liceu, o que é é que não
havia já. Também para a quarta classe o dinheiro já era escasso, quanto mais
para liceus.”
Entrevistado 17;
67 anos; 1º Ciclo do Básico
Outros, só mais tarde perceberam
o que perderam por não terem estudado mais:
“Tenho, tenho [pena de não ter estudado]. Pois, a estudar
já a gente sabia, e assim olhe, estamos sempre com os olhos assim fechados,
onde quer que a gente vá está sempre com os olhos, nunca sabe nada, pois, nunca
sabe nada. Elas lêem e fazem coisas, saem e sabem para onde vão, e a gente não.
A gente não sabe ler, não sabe nada.”
Entrevistada 18;
82 anos; sem escolaridade
Mas uns tantos regressaram à
escola e obtiveram algo do que queriam:
“Na altura não tinha posses, andava a trabalhar, por aqui,
por ali, onde calhava, e nunca pensei bem nisso. E depois lá na fábrica houve a
possibilidade e então eu e mais outras tirámos a quarta classe, na altura em
que havia pouco trabalho, estivemos na reciclagem, e então aproveitámos,
aproveitaram para dar a quarta classe, várias coisas.”
Entrevistada 20;
76 anos; 1º Ciclo do Básico
“Eu queria tirar a carta de motorista, mas eu só tinha a
terceira classe, e naquele tempo Salazar já exigia a quarta, e então eu fui à
escola, com os meus dezasseis, dezassete anos, e tirei a quarta classe.”
Entrevistado 19;
86 anos; 1º Ciclo do Básico
“Andei no liceu (…) até ao segundo ano (…). Depois interrompi,
e depois fui até ao quinto, o antigo quinto ano [hoje 9º ano]. (…). Era uma ou
duas disciplinas, e ia andando assim, durante uns anos (…). Fui fazendo por
disciplinas, até que atingi isso, não é? Foi assim durante uns anos, eu ia
fazendo, ia fazendo o que podia, e cheguei lá.”
Entrevistado 12;
74 anos; 3º Ciclo do Básico
Fonte: Lopes, Zózimo, Ramalho, Pegado & Pereira (2016; pp. 17-18, 36,
37, 38, 39, 44, 45, 47, 48, 76, 77 e 77-78)
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