domingo, 19 de setembro de 2021

[0302] O associativismo docente após o 25 de Abril


Em Portugal, o associativismo docente quase desapareceu durante o regime político que terminou em 25 de Abril de 1974.

O Movimento da Escola Moderna, destinado à generalidade dos professores interessados na sua perspectiva pedagógica, já dera os seus primeiros passos nos anos 60, mas a sua formalização só ocorreu em 1976. Depois, ainda nos anos 70, surgiram a Associação de Professores de Português (1977) e a Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica (1979). Para comparação, foi também nesta década que se constituiu a Confederação Nacional das Associações de Pais (1977).
Os anos 80 foram aqueles em que surgiu um maior número de novas associações de docentes: a Associação de Professores de História em 1981, a Associação Portuguesa de Professores de Inglês em 1985, a Associação de Professores de Francês e a Associação de Professores de Matemática em 1986, a Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia, a Associação de Professores de Filosofia e a Associação de Professores de Geografia em 1987 e a Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual e o Conselho Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Fisica em 1989.
Foram ainda fundadas outras associações de que não foi possível localizar o ano da sua origem. Igualmente para comparação, a Sociedade Portuguesa das Ciências da Educação foi fundada em 1990.

Tão ou mais importante do que o surgimento de cada uma destas associações foi a constituição, em 1992, do Secretariado Inter-Associações de Professores. Em 2010, faziam dele parte:
a Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica,
a Associação Nacional de Professores de Electrotecnia e Electrónica,
a Associação Portuguesa de Professores de Alemão,
a Associação Portuguesa de Professores de Francês,
a Associação de Professores das Ciências Económico-Sociais,
a Associação de Professores para a Educação Intercultural,
a Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual,
a Associação de Professores de Geografia,
a Associação de Professores de História,
a Associação de Professores de Matemática,
a Associação de Professores de Português,
o Conselho Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física e
o Movimento da Escola Moderna.

E era assim que este Secretariado se apresentava:

O Secretariado Inter Associações de Professores — SIAP — é uma plataforma de entendimento entre várias associações de professores. Actua no âmbito das questões pedagógicas comuns aos vários saberes e áreas disciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares, de política educativa, não se imiscuindo no campo laboral, que reconhece competir aos sindicatos. Tem vindo a assumir-se como um fórum de discussão pedagógica entre professores, tendo em vista:
à Contribuir para uma maior intervenção dos professores e suas associações pedagógicas na definição da política educativa nacional;
à Intervir na definição, implementação, avaliação e reformulação de questões relativas à educação;
à Participar activamente na política de formação dos professores;
à Organizar, conjuntamente, acções de formação de professores no âmbito interdisciplinar e transdisciplinar.

No entanto, o SIAP acabou por deixar de cumprir este papel. Já em 2009, Sérgio Niza, membro do Movimento de Escola Moderna, descrevera a preocupação com que via a tendência que se adivinhava para a inacção do Secretariado:

A emergência das associações pedagógicas nas últimas três décadas do século XX, entre os anos 70 e 80, decorre de motivações político-culturais, no caso dos grupos de estudo e movimentos pedagógicos ou da tentativa de afirmação de uma função complementar à de outras organizações como as associações sindicais e particularmente as sociedades científicas que pretendiam apropriar-se do saber didáctico das respectivas disciplinas, no momento em que era introduzida a Didáctica no ensino superior.

Na década seguinte, surge o secretariado inter-associações de professores (SIAP), fundado em Julho de 1992, com o objectivo de intervir activamente na reforma educativa liderada por Roberto Carneiro, tentando assumir-se como parceiro social junto do Ministério da Educação […]. Muitas das dificuldades do SIAP radicam no seu equívoco fundador: a necessidade de promover um contrato federador das associações pedagógicas, para se fazerem representar colegialmente e assim poderem colaborar numa reforma concebida e dirigida pelo Estado. No Seminário de Matosinhos (2008) tornou-se evidente, uma vez mais, que algumas associações não desejavam delegar numa outra instância congregadora a sua voz nas relações que mantêm com o Estado.

Por falta de finalidade estratégica própria, o SIAP tem vivido a reboque das políticas educativas em constante deriva. ”

“Deparamo-nos, portanto, com muitos temas de reflexão e de activação do trabalho inter-associativo:

1 – A problemática da reconstrução da profissão e da formação e a consequente valorização do trabalho docente, o que implica a passagem da sua condição de ofício ou pré-profissão, ao estatuto pleno de profissão.
2- A necessidade de estudar e compreender melhor o tão prolongado mal-estar docente.
3- A construção conjunta de conhecimento profissional através de acção, de investigação e de reflexão crítica compartilhada pelos próprios professores.
4- O estudo da complexidade da profissão e dos seus riscos psicológicos, como actividade centrada na interacção humana.

E se se quiser alargar esse trabalho inter-associativo a outro tipo de organizações associativas e académicas terão de confrontar-se com:

- O como se caminhou para a dispersão e indefinição das funções dos professores nas escolas;
- O quanto a sobredeterminação da centralidade da governação do Estado e o reforço da hierarquização nas escolas vem provocando uma desqualificação e proletarização do trabalho dos professores;
- O como a universitarização da formação de professores tem desvalorizado a natureza específica do conhecimento profissional.

Estão hoje criadas as condições históricas e sociais para recentrar neste fórum permanente de pedagogia e profissionalidade que é, ou pode ser, o SIAP, duas vocações fundamentais que se podem entrecruzar:

 

A. A do trabalho sobre a natureza específica do conhecimento profissional e os processos da sua construção, de modo a possibilitar uma fundamentação da actividade profissional docente.

Terão de ser os próprios a construir o conhecimento das práticas sociais que são as suas, podendo acontecer, por vezes, no quadro de uma colaboração com unidades de investigação universitária, na condição de assumirem o estatuto de parceria verdadeira.

B. A da reflexão ético-democrática como componente intrínseca dos hábitos de análise crítica de cada professor nas suas práticas sociais, assumindo-se como agente duma profissão formadora (transformadora), ou dito de modo mais pertinente, de uma função de agente do desenvolvimento humano, como nenhuma outra.

A ética, o esforço contínuo de reflexão crítica, deverá ou não ser entendida como uma matriz clarificadora dos juízos de valor a processar na resolução dos múltiplos dilemas que tecem a interacção pedagógica?

 

Fontes: sítios das associações referidas; e livro de Niza (2015; pp. 594 e 596-587)

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