sábado, 13 de novembro de 2021

[0310] A Natureza na Nossa Banda (I): o sapal de Corroios

Estão actualmente em exposição, no terreiro em frente ao Moinho de Maré de Corroios, as ilustrações com que Carlos Xavier Varela Pita descreve a Natureza que aí nos envolve. Tratando-se do trabalho desenvolvido no âmbito de um Mestrado em Ilustração Científica, foi possível consultar, no correspondente Relatório de Estágio, o modo como o Sapal de Corroios foi entendido:

Sapal de Corroios

A zona denominada Sapal de Corroios é uma extensa área de sapal salgado, com aproximadamente 143 hectares, localizada no concelho do Seixal, na zona ocidental da baía com o mesmo nome […]. É considerada a zona húmida mais bem conservada do estuário do Tejo, a sul de Alcochete, sendo considerada Domínio Público Hídrico, e incluída na Reserva Ecológica Nacional (REN). […] Do ponto de vista geológico e morfológico, o sapal desenvolve-se sobre sedimentos essencialmente vasosos e é cortado por numerosos canais meandrizados, que se bifurcam e recombinam, apresentando, por vezes, um padrão ramificado. Os canais de maré dos sapais não são formas erosivas, mas formas que resultam da deposição de sedimentos, lateral e verticalmente, nos bancos de vaza que os confinam […]. Os sapais são ecossistemas que incluem vegetação halófita (plantas tolerantes à salinidade), apresentando zonamento característico determinado pelo tempo de imersão. A vegetação é um fator condicionante da evolução do sapal, sendo os seus sistemas radiculares e estruturas aéreas importantes na fixação de material em suspensão, contribuindo para a estabilização do solo (materiais lodosos) […]. A baía do Seixal, na qual se inclui o Sapal de Corroios, apresenta uma variedade e abundância de vida selvagem que contrasta com as áreas circundantes, intensamente urbanizadas e transformadas pelo homem. […] Esta região é particularmente importante para as aves migradoras, principalmente para as espécies invernantes. Durante os meses de inverno procuram abrigo e alimento no Sapal de Corroios largos milhares de aves, constituindo um ponto de elevado interesse ornitológico […]. Nas áreas de lodo que ficam a descoberto durante a maré vazia, é possível observar um grande número de espécies de aves, com destaque para as aves do grupo das “laro limícolas”, enquanto que durante a maré cheia, as manchas de vegetação que permanecem emersas proporcionam refúgio a várias aves aquáticas […]. Apesar de se encontrar no meio de uma zona fortemente edificada, o Sapal de Corroios é um bom local para observar diversas espécies de aves aquáticas, com destaque para as limícolas. Um dos melhores locais de observação situa-se junto ao Moinho de Maré de Corroios, especialmente durante a maré baixa […]. A zona adjacente ao sapal, e o próprio sapal durante a maré alta, assumem bastante relevância enquanto área de alimentação e abrigo para várias espécies de peixes que utilizam o estuário como área de viveiro, bem como para espécies residentes, sendo um local particularmente importante para espécies piscícolas detritívoras. Na baía ocorrem ainda várias espécies de invertebrados, que assumem um papel importante na cadeia trófica, servindo de alimento a várias espécies de aves e peixes.

Morraça; Gramata-branca; Gramata

Devido às condições adversas de salinidade encontradas nos sapais, estes apresentam uma baixa diversidade florística, sendo esta limitada quase exclusivamente às espécies halófitas, que se encontram bem adaptadas do ponto de vista morfológico e fisiológico ao habitat peculiar que colonizam. Segundo o “Estudo de Investigação, Caracterização e Valorização Ambiental da Baía Do Seixal” realizado pelo Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, realizado em 2011 […], as plantas halófitas mais abundantes no Sapal de Corroios distribuem-se por nove géneros e cinco famílias (Chenopodeaceae, representada por 6 géneros e Asteraceae, Poaceae, Polygonaceae e Juncaceae com um género cada). Destas, as espécies mais abundantes são Halimione portulacoides e Sarcocornia fruticosa, duas espécies da família Chenopodeaceae, ocupando cada uma cerca de 1/3 da área total de sapal inventariada. Em termos de ocupação no sapal, a espécie pioneira da família Poaceae, Spartina maritima, é a terceira mais abundante, ocupando cerca de 12% da cobertura total. No entanto, outras espécies halófitas podem ser encontradas, e depois outras espécies halófitas com menor expressão como, por exemplo: Polygonum maritimum (Polygonaceae), Atriplex halimus (Chenopodeaceae), Juncus maritimus (Juncaceae), Inula chritmoides (Asteraceae) e Suaeda vera (Chenopodeaceae).

Mainá-de-crista; Guincho
Fuinha-dos-juncos; Flamingo
Garça-real; Alfaiate; Pernilongo; Maçarico-de-bico-direito; Borrelho-grande-de-coleira; Perna-vermelha; Pato-real

A zona do Sapal de Corroios, bem como a restante baía do Seixal, apresenta uma grande diversidade da avifauna. Com efeito, Hélder Costa […] e o sítio da internet “Aves de Portugal” […], referenciam o Moinho de Corroios e a Ponta dos Corvos como locais preferenciais para observação de aves na vizinhança de Lisboa. O número de espécies que podem ser avistadas é substancial. De facto, Hélder Costa […] contabiliza a identificação de 118 espécies entre 2006 e 2009, enquanto que Manuel Lima […] refere a ocorrência de 94 espécies na zona da Baía do Seixal. De acordo com o “Estudo de Investigação, Caracterização e Valorização Ambiental da Baía Do Seixal” realizado pelo Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, realizado em 2011 […], as aves observadas na área da Baía do Seixal pertencem maioritariamente ao grupo das chamadas “laro limícolas”, aves de hábitos aquáticos, que inclui um grande número de espécies das famílias Charadriidae (vulgarmente designadas “borrelhos”), Scolopacidae (“pilritos” ou “maçaricos”) e Laridae (“gaivotas”). Em complemento às “laro-límicolas”, podem ainda ser observadas na Baía do Seixal aves das famílias Anatidae (“patos”), Phalacrocoracidae (“corvos-marinhos”), Ardeidae (“garças”), Threskiornithidae (“colhereiros”), Phoenicopteridae (“flamingos”), e ainda das famílias Recurvirostridae (“pernilongos” e “alfaiates”) e Sternidae (“gaivinas”) […]. A maioria destas espécies é migradora, e os números de indivíduos encontrados na Baía do Seixal e no Sapal de Corroios demonstram-no, aumentando significativamente durante os meses de inverno. De facto, a chegada dos primeiros migradores desta fauna “invernante” começa no final do verão, geralmente a partir do mês de agosto. Daí em diante o número de indivíduos vai aumentando, e cresce mais rapidamente a partir de novembro, até atingir os valores máximos anuais em janeiro. As espécies deste grupo ainda se mantêm na área durante o mês de fevereiro, começando em março a sua partida para norte.

Tainha-fataça; Enguia
Cavalo-marinho
Charroco; Caboz-comum

De acordo o “Estudo de Investigação, Caracterização e Valorização Ambiental da Baía Do Seixal” realizado pelo Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, realizado em 2011 […], foi documentado um total de 20 espécies piscícolas na Baía do Seixal. Embora possam ser encontradas algumas espécies que usam a baía como áreas de viveiro, como os linguados, o robalo-legítimo e vários esparídeos, a ictiofauna da zona é dominada por duas espécies residentes, o charroco e o caboz-comum. Por outro lado, a ocorrência na Baía do Seixal de diversas espécies de singnatídeos, e de cavalos-marinhos em particular, constitui uma indicação da qualidade ambiental da zona, uma vez que estes peixes são considerados bastante sensíveis à degradação do ambiente em que se inserem. Merece destaque ainda a presença da enguia, espécie que atualmente se encontra ameaçada em toda a área de distribuição. Alguns peixes residentes no estuário do Tejo utilizam a Baía do Seixal como habitat de reprodução, como são os casos dos cabozes, singnatídeos, peixe-rei-do-Mediterrâneo e charroco. A tainha-liça, a tainha-garrento, o robalo-legítimo, os esparídeos e os linguados utilizam o estuário como local de viveiro. Os migradores catádromos encontram-se representados no local pela enguia e pela tainha-fataça.

Camarão-negro; Cranguejo-verde
Choco; Amêijoa-japonesa

No que respeita aos invertebrados aquáticos, o estudo realizado pelo COFCUL […] identificou a ocorrência de nove espécies de crustáceos decápodes, sendo que as mais bem representadas na Baía do Seixal são o camarão-negro (Crangon crangon) e o caranguejo-verde (Carcinus maenas). É ainda de destacar o choco-vulgar (Sepia officinalis), a espécie de cefalópode mais abundante (a outra espécie identificada é o chopito-anão-orelhudo, Sepiola atlântica) que se reproduz na Baía e é uma das espécies ali pescadas. Das inúmeras espécies de invertebrados que colonizam as vazas lodosas das zonas intertidais (isópodes, gastrópodes, anfípodes, poliquetas e bivalves), merece destaque a ameijoa-japonesa (Ruditapes phillippinarum), espécie exótica que proliferou com grande abundância e é apreciada pelos mariscadores da região.

 

Fontes: PDF de Pita (2013; texto, nas pp. 8-12; e imagens, no Apêndice)

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