As praias para usufruto massificado resultaram de uma lenta
apropriação e transformação dos seus areais. Na margem Sul do Tejo, a Ponta dos Corvos, a Mutela, a Margueira,
Cacilhas, o Ginjal e a Banática começaram, desde a década de 1870, a ser
usados pelas famílias aristocratas e burguesas de Lisboa para banhos e natação,
seguindo-se-lhes a Trafaria e, mais tarde, a Cova do Vapor e a Costa de Caparica
(mensagem «0154»).
A Costa de Caparica foi uma das praias visitadas por
Adriano de
Sousa Lopes (1879-1944), entre 1922 e 1926, tendo dela feito
diversos desenhos e pinturas onde as únicas actividades humanas figuradas são
as relacionadas com a pesca:
Manhã na praia da Caparica (óleo sobre cartão; acervo do Museu Nacional de Arte
Contemporânea, Lisboa):
Céu da Caparica (óleo
sobre tela; acervo do Museu Nacional de Arte Contemporânea, Lisboa):
Sensivelmente
pela mesma altura também Raúl
Brandão (1867-1930), no seu livro Os Pescadores, de 1923, descreveu a Costa
de Caparica:
“Da
horrível Trafaria à Caparica gastam-se dezoito minutos num carrinho pela
estrada através do pinheiral plantado há pouco. Os pinheiros são mansos,
anainhos e inocentes: - os pinheiros novos são como bichos novos e têm o mesmo
encanto … Ao lado esquerdo desdobra-se o grande morro vermelho a esboroar, e ao
outro lado o terreno extenso e plano rasgado de valas encharcadas. De repente
uma curva, algumas casotas cobertas de colmo - Caparica. Primitivamente isto
foi um grupo de barracas que os pescadores aqui ergueram neste esplêndido sítio
de pesca, à boca da barra, a dois passos do grande consumidor. Têm um ar ainda
mais humilde que os palheiros de Mira ou Costa Nova. Quatro tábuas e um tecto
de colmo negro com remendos deitados cada ano: alguns reluzem e conservam ainda
as espigas debulhadas do painço. No imenso areal o barco da duna, sempre o
mesmo barco, maior ou mais pequeno, próprio para a arrebentação, de proa e popa
erguidas para o céu.”
“Uma
grande extensão de areal, só areia e mar, barcos como crescentes encalhados e
alguns pescadores remendando as redes. Nem um penedo. Areia e céu, mar e céu.
Dum lado o formidável paredão vermelho, a pique, desmaiando pouco e pouco, até
entrar pelo mar dentro todo roxo, no cabo Espichel. Do outro o mar azul metendo‑se,
num jorro enorme, pela ampla barra de Lisboa, deslumbrante e majestosa. De onde
isto é esplêndido é acolá do alto do convento dos Capuchos. Assombro de luz e
cor. Amplidão. As casotas da Caparica aos pés, o mar ilimitado em frente, ao
fundo e à direita a linha recortada da Serra de Sintra com as casinhas de
Cascais e Oeiras no primeiro plano esparsas num verde amarelado … E a luz? E o
prodígio da luz? … A gente está tão afeita à luz que não repara nela e trata
como uma coisa conhecida e velha este azul que nos envolve e penetra e que
desaba em torrentes sobre as águas verdes desmaiadas e sobre as terras amarelas
e vermelhas até ao cabo Espichel … Mas fecho os olhos - abro os olhos … Imensa
vida azul - jorros sobre jorros magnéticos. Todo o azul estremece e vem até mim
em constante vibração. Quem sai da obscuridade para a luz é que repara e estaca
de assombro diante deste ser, tão vivo que estonteia …”
A pintura de Adriano de Sousa Lopes e a escrita de Raúl
Brandão podem ter sido os primeiros sinais, registados, de uma nova visão sobre
as praias da Costa de Caparica. Depois, ao longo de um século, seguiram-se as
transformações de que hoje somos testemunhas.
Fontes (texto e imagens): Sítio do Museu Nacional de Arte Contemporânea
(consultado, sobre a exposição «Sousa Lopes 1979-1944. Efeitos de Luz», em 13
de Outubro de 2015); Wikipédia (sobre Raúl Brandão); Brandão, citado por Gomes
(2018; pp. 27-28)
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