quarta-feira, 25 de julho de 2018

[0150] Álvaro Laborinho Lúcio: “há uma educação para ricos e uma educação para pobres”


Nasceu em 1941
Foi jurista, professor universitário e ministro da Justiça

“Eu sou natural da Nazaré, uma terra que era na altura uma terra razoavelmente forte enquanto vila piscatória e onde havia imensa pobreza. Havia uma clara distinção entre o pé calçado e o pé descalço. Eu fiz toda a instrução primária na Nazaré onde havia duas escolas, uma em baixo e outra em cima. Na escola de cima andavam os filhos dos pés calçados. Mas os meus pais quiseram, e bem, que eu estivesse na escola dos pescadores, dos pés descalços. Eu fiquei sempre na escola deles e muitos dos meus amigos de infância fizeram a vida de pescador.
Eu tinha muito a noção do que era a miséria grande que havia na Nazaré, o que isso significava relativamente ao mar, o que isso significava relativamente à pesca, o que significava relativamente ao perigo brutal dos naufrágios que aconteciam. Havia sempre gente de luto na Nazaré e isso fez-me sempre compreender que essa distinção entre o pé calçado e o pé descalço correspondia na Nazaré à geografia da terra. Ia-se até um certo sítio e era a zona do pé calçado, ia-se daí para a frente e era a zona do pé descalço.”

“Há uma justiça para ricos e uma justiça para pobres, como há uma saúde para ricos e uma saúde para pobres, como há uma educação para ricos e uma educação para pobres. Porque o modo de chegar à justiça, o modo de chegar à saúde e o modo de chegar à educação, tem caminhos que ainda estão fora da justiça, fora da saúde e fora da educação. E quando se chega, já se vai em situação de diferenciação. O importante é acabar com os pobres. A luta deve ser essa. A pobreza é uma violação de direitos humanos e o grande objectivo é a erradicação da pobreza. Foi o que se fez com a escravatura, foi o que se fez com o apartheid.”

“Quando falo nesta Europa que caminhou para a predominância dos interesses, do dinheiro e dos mercados, a escola veio transformar-se num instrumento disto. E isso é extraordinariamente negativo porque, no fundo, nós estamos a formar para isto, quando devíamos estar a formar para uma dissidência possível relativamente a isto, onde a escola devia formar cidadãos cultos, capazes de terem sentido crítico e serem dissidentes. E não. Ela está a formar gente com pensamento único. Se nós perdermos a dimensão cidadã, perdemos o único capital que temos modificador do mundo e da vida.”

Fonte: Laborinho, entrevistado (2018; p. 45)

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