O novo ano lectivo começa oficialmente na próxima
sexta-feira e há, desde já, uma certeza: as escolas vão ser mais diferentes
umas das outras. Os projectos de flexibilidade curricular, introduzidos pelo
Ministério da Educação como uma experiência pedagógica, entram em
funcionamento. E vão ser usados de forma muito diversa pelos professores. Ainda
que a generalidade das direcções escolares que entram na experiência tenha
optado por aplicar a mudança a todos os alunos de início de ciclo, há casos em
que serão constituídas «turmas de teste» para esta estratégia e há até quem vá
ter disciplinas semestrais, à semelhança do que acontece no ensino superior.
A flexibilidade curricular permite, entre outras medidas,
que as escolas façam a sua própria gestão de até 25% da carga horária lectiva.
Ao longo da última semana, o PÚBLICO falou com responsáveis de 31 das 235
escolas e agrupamentos envolvidos no projecto. Na generalidade dos casos (74%
das escolas contactadas), os directores apostaram em aplicar as mudanças a
todas as turmas de início de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos), que são aqueles
em que legalmente é possível usar os mecanismos de flexibilização. Nos
restantes casos (8 escolas) é feito algum tipo de selecção, limitando o número
de turmas e alunos envolvidos.
Mas mesmo nos estabelecimentos de ensino que optaram por
aplicar este projecto a todos os estudantes, a forma como o mesmo será
efectivado é muito variável. O retrato que é possível traçar é, por isso,
bastante diversificado.
Várias escolas assumem a dimensão de experiência da
novidade introduzida este ano. É o caso do Agrupamento de Pedome, em Vila Nova
de Famalicão, que optou por aplicar a medida a duas das suas cinco turmas do
5.º ano. A flexibilidade curricular vai ser testada numa turma com «condições
para poder ter bons resultados e sucesso educativo de qualidade». A outra turma
“poderá não vir a apresentar um desempenho escolar e um sucesso de tanta
qualidade”, assume o director Fernando Manuel Lopes. A intenção da escola é
que, com «dados de partida diferenciados», possa documentar o impacto do
projecto nas aprendizagens.
A experiência da Escola Secundária Alberto Sampaio, em
Braga, passa por reforçar o número de horas destinadas ao director de turma em
apenas uma turma do 7.º ano. A intenção é semelhante: «Vamos querer ver a
diferença que essa alteração possa provocar», explica o director, João Andrade.
Convencer
os professores
A escolha do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria,
teve outra motivação: os resultados dos alunos. A direcção optou por deixar de
fora da flexibilidade curricular todos os alunos do 5.º e 7.º anos e também a
generalidade dos do 1.º ciclo. Com uma única excepção: a escola EB1 do
Arrabalde.
Esta é uma escola pequena — tem 60 alunos e apenas três
turmas, já que funciona uma turma mista de 2.º e 4.º anos — que nos últimos
anos tem tido maus resultados escolares. A direcção do agrupamento viu na
flexibilidade curricular uma possibilidade para inverter essa tendência: «O
objectivo desde modelo é ser promotor do sucesso escolar e é nesse sentido que
vamos avançar com ele», explica a directora, Madalena Costa.
Há, porém, outros motivos práticos e não pedagógicos a
condicionar as opções das escolas contactadas. Por exemplo, o Agrupamento de
Escolas da Senhora da Hora, em Matosinhos, aplicará o projecto em apenas duas
de seis turmas do 7.º ano, dada a falta de disponibilidade demonstrada pela
maioria dos professores para trabalharem no novo modelo.
O caso mais extremo será, porém, o do Agrupamento de
Escolas Grão Vasco, em Viseu. A directora, Inês Campos, é uma entusiasta da
flexibilidade curricular — «é um projecto muito válido e estou certa que trará
resultados muito positivos» —, mas não encontrou a mesma abertura nos
professores do estabelecimento de ensino. Por isso, apesar de estar na lista
inicial do Ministério da Educação, não vai integrar esta experiência pedagógica
no novo ano lectivo.
A flexibilidade curricular vai ser testada em cerca de
20% dos estabelecimentos de ensino. Há escolas que estão ainda a fechar o
processo de constituição de turmas e de definição dos moldes de funcionamento
dos projectos, pelo que o número total de turmas envolvidas neste primeiro ano
lectivo de experiência pedagógica ainda não está fechado. Ao que o PÚBLICO
apurou esse número deverá rondar as 2000 turmas.
A
aposta dos privados
Das 235 escolas envolvidas, 170 são públicas, às quais se
juntam quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro. Outras 61 do ensino
privado vão também fazer parte da experiência, o que levou a Associação dos
Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) a criar um grupo de
trabalho para que os seus associados possam «partilhar ideias uns com os
outros», explica o director-geral da associação dos colégios, Rodrigo Queiroz e
Melo.
Um desses casos é o do Grupo Ensinus que tem sete
instituições diferentes envolvidas no projecto de flexibilidade curricular,
entre os quais o Real Colégio de Portugal, o Colégio de Alfragide e o Externato
Álvares Cabral. Aí serão criadas novas disciplinas como o Laboratório de
Empreendedorismo e Educação Financeira ou Técnicas Laboratoriais de Física e
Química e, na Matemática, passará a ser aplicado o método usado em Singapura —
que tem por base a compreensão dos conceitos antes de se ensinar procedimentos,
utilizando uma abordagem visual e prática.
A «grande alteração» que a experiência pedagógica
implicará, porém, tem a ver com o professor, considera Teresa Damásio,
administradora do Ensinus. «Vai ter obrigatoriamente de alterar a sua
metodologia de ensino e permitir maior interdisciplinaridade», defende.
Para preparar os docentes para essa alteração, o grupo
contratou o especialista em mudanças educativas, Javier Aragay, para uma
assessoria de três anos, em que dará tutorias mensais aos professores das
várias áreas.
Outra das mudanças que vão ser aplicadas nos colégios do
Grupo Ensinus é a passagem de algumas disciplinas para um regime semestral. Por
exemplo, no 7.º ano os alunos passarão a ter quatro tempos semanais de
Geografia na primeira metade do ano lectivo. Esses blocos nos horários são
substituídos, no segundo semestre, por aulas de História.
A opção do Ensinus cruza-se com uma discussão que começa
a ganhar força no sector: a possibilidade de o ano lectivo passar a ser
organizado em dois semestres em lugar dos actuais três períodos. O Agrupamento
de Escolas de Freixo, em Ponte de Lima, apresentou o seu próprio calendário
escolar para 2017/18, dividido em dois semestres. O primeiro semestre começa a
13 de Setembro — como a generalidade das escolas, ainda que formalmente o ano
lectivo comece na próxima sexta-feira, dia 8 — e prolonga-se até 2 de
Fevereiro. O segundo estende-se entre 14 de Fevereiro e 19 de Junho. Os alunos
mantêm dez dias de férias na altura do Natal e uma semana no Carnaval e Páscoa.
Esta possibilidade não foi aberta pelo projecto de
flexibilidade curricular, mas pelo facto de a escola integrar os
Projectos-Piloto de Inovação Pedagógica, destinado a um grupo mais restrito de
estabelecimentos de ensino, e que reforça a sua autonomia caso adoptem
projectos educativos diferenciadores.
O presidente Associação Nacional de Directores de
Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima, tem sido um dos defensores
desta solução. De resto, pretendia fazer o mesmo na escola que dirige, a Dr.
Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, mas a possibilidade foi negada pelo Governo.
Ainda assim, dentro das possibilidades que a flexibilidade curricular prevê, na
sua escola haverá também algumas disciplinas semestrais.
A mudança para um calendário lectivo semestral teria «vantagens
evidentes», defende Filinto Lima. Por um lado, tornaria os dois períodos
lectivo equivalentes, acabando com um velho problema de um 3.º período muitas
vezes excessivamente curto. Por outro, promoverá o sucesso e terá efeitos positivos
na disciplina, acredita: «Hoje em dia, há muitos alunos que chegam ao 3.º
período com o destino traçado. Como o tempo é curto sabem que já dificilmente passam
ou dificilmente chumbam.»”
Fonte (jornal): Silva (2017b)