Exaustos,
desiludidos ou baralhados. Um terço dos professores sente-se assim
(artigo de Andreia Sanches,
reproduzido do jornal «Público» de 8 de Setembro de 2016, pp. 2-4):
Inquérito
a 2910 professores. 60% lamentam que os pais “não se preocupem com a educação
dos seus filhos”. Desmotivação, falta de apoio familiar e desatenção são os
problemas maiores que identificam nos alunos dos dias de hoje.
Um terço
dos professores preferia deixar de dar aulas num futuro próximo, em vez de
continuar na escola. Um pouco mais, 35%, dizem-se exaustos, desiludidos,
baralhados ou (mais residualmente) desesperados ou com outros sentimentos
negativos quando lhes é pedido para descreverem a sua relação com o trabalho.
Quase dois terços (64%) acham que a educação piorou em Portugal nos últimos
anos (17,5% acham mesmo que piorou muito). Mais de 80% entendem que a sociedade
não valoriza esta profissão, que o Governo também não valoriza, que perderam
tempo e condições para reflectir sobre as suas práticas, que a sua autonomia
encolheu e cresceu a carga de trabalho.
Muitos
(60%) sentem que os alunos estão mais desmotivados do que no passado. E
lamentam que os pais “não se preocupem com a educação dos seus filhos”.
Consideram que a desmotivação e a falta de apoio das famílias são os dois
“principais problemas” das crianças e dos jovens com quem trabalham. Estarem
“desatentos” nas aulas é o terceiro mais mencionado.
Estes são
resultados de um estudo que se baseia nas respostas de 2910 professores, de 130
escolas, públicas e privadas, de todos os níveis de ensino, excepto superior,
recolhidas em Maio, Junho e Julho deste ano.
O
inquérito foi coordenado por Joaquim Azevedo, investigador da Universidade
Católica, ex-secretário de Estado da Educação e presidente do Conselho de
Administração da Fundação Manuel Leão, que lançou este projecto chamado As
preocupações e as motivações dos professores.
“É como se
um pessimismo endémico tivesse tomado conta da educação escolar”, descreve
Azevedo nas conclusões do trabalho que tem ainda como autores José João Veiga e
Duarte Ribeiro. E que será apresentado em Vila Nova de Gaia, nesta sexta-feira,
primeiro dia que marca o período de arranque do ano lectivo para o ensino
básico e secundário.
Apesar de
tudo, a frase: “Sinto-me motivado para ensinar” recebe a concordância da
maioria dos inquiridos: 68%. Mas os restantes, e são muitos, discordam “um
pouco”, ou até “bastante”, ou até “totalmente” dessa afirmação.
Reconhecimento e indisciplina
Há
diferenças, em alguns aspectos, entre ensino público e privado (os professores
do privado sentem-se menos exaustos e desiludidos, avaliam de forma mais
positiva o trabalho docente, dizem estar mais animados), entre escolas
regulares e profissionais (os professores das profissionais são os que menos
acham que perderam autonomia e poder de decisão, os que se encontram mais
motivados, os que mais referem que os pais reconhecem o seu trabalho) e entre
professores mais jovens e menos jovens (quantos mais anos de serviço têm, mais
dizem que as condições para exercer a profissão se degradaram, mais exaustos e
descrentes em mudanças educativas se declaram).
Mas
regresse-se aos dados globais: quanto se diz que um terço dos professores
gostaria de deixar de dar aulas nos próximos cinco anos, os autores do estudo
estão a somar os 13,5% de inquiridos que gostariam de reformar-se
antecipadamente, os 9% que queriam fazer outra coisa que não ser professor, e
os 8,1% que dizem que vão continuar a leccionar, mas porque não têm outra
alternativa.
O que lhes
causa mais “insatisfação no trabalho” em geral é a “falta de reconhecimento
profissional” (57%). O que é mencionado como trazendo mais “dificuldades” no
dia-a-dia é a indisciplina na sala de aula (52%), seguido da extensão dos
programas (30%). Especificamente na relação com os alunos, o que causa mais
insatisfação é a "falta de respeito" (58,9%).
Um dos
maiores desafios com que se deparam na sua missão é “prestar atenção ao
desenvolvimento afectivo e social dos alunos” (30,3%). Outro problema que
coloca dificuldades, mencionado por um quarto dos professores: a avaliação do
desempenho docente.
Mas, mesmo
com tudo isto, quase todos (mais de 90%) acham que os alunos saem bem
preparados da sua escola, do ponto de vista académico. E essa é, provavelmente,
uma das ideias mais positivas que manifestam. Outra é que a palavra
"paixão" é a mais escolhida para descrever este trabalho de
"ensinar".
A culpa da comunicação social
Ainda
assim, e apesar do declarado sucesso dos alunos, a grande maioria dos
professores (85%) dizem que o Ministério da Educação não “valoriza” o seu
trabalho. As opiniões já se dividem quando se lhes pergunta: e os alunos,
“valorizam”? (51,3% acreditam que sim, 48,4% entendem que não).
A maioria
(58,8%) também acha que os pais dos alunos não têm em devida conta o seu trabalho.
Um dedo gigante é apontado à comunicação social: 90,7% estão convencidos de que
a informação que ela veicula contribui para uma diminuição do prestígio de quem
ensina.
No fim, um
pouco mais de metade descreve do seguinte modo o seu “espírito habitual” na
escola: “Apesar dos problemas esforço-me, e por vezes, estou animado.” E um em
cada três até consegue ir mais longe: diz que “habitualmente” se sente animado.
Este não é
o primeiro estudo que indica que os professores estão exaustos. “Esse cansaço e
esgotamento é invocado permanentemente para se explicar quase tudo o que, de
menos positivo, se passa na educação escolar, em Portugal”, lê-se no capítulo
final de As preocupações e as motivações dos
professores.
E foi por
isso que a Fundação Manuel Leão quis aprofundar o tema numa classe envelhecida
(apenas 1,4% dos docentes do país têm menos de 30 anos), que decresceu bastante
(havia em 2014/15 menos 42 mil professores do que dez anos antes), redução que
resulta de muitas variáveis, como a diminuição da natalidade, o encerramento
das escolas e o aumento do número de alunos por turma.
Como
outros funcionários, os professores sofreram corte de salários, desde 2008
“trabalham mais horas” e nunca, em 40 anos de democratização do ensino, foram
alvo preferencial “de políticas governamentais” de valorização pública, escreve
Joaquim Azevedo. “O poder diz-lhe a toda a hora que têm poder para produzirem o
sucesso dos seus alunos, para promoverem a aprendizagem com qualidade, mas não
lhes confere nem autonomia profissional para tal, nem as escolas têm níveis de
responsabilidade adequados a esse exercício."
“Aceleração” e “histeria”
Nas
escolas trabalha-se com “aceleração” e “histeria”. O que não é o tempo e o modo
próprios da educação. Mas os professores dedicam-se, é o que garante.
Quando se
lhes pede que olhem para si próprios, e se lhes pergunta “qual a maior virtude
do seu trabalho”, quase sete em cada dez dizem que é “preocuparem-se com todos
os seus alunos” e “ter boas relações com os alunos”. Só 8,5% reconhecem que é
“gerir bem as aulas”.
“Em termos
gerais, para si, qual tem sido o impacto das reformas educativas, nos últimos
anos, em relação à ‘qualidade da educação’”? Foi outra questão. Mas esta divide
mais. A maioria (59,1%) considera que as mudanças tiveram algum ou pequeno
impacto, mas um apreciável número (27,1%) diz que tiveram um muito pequeno ou
nenhum impacto.
A Fundação
Manuel Leão é responsável por um programa de avaliação externa de escolas
(chamado AVES), que existe há 15 anos. Um questionário foi endereçado aos
directores de agrupamentos envolvidos no AVES, a que se juntaram outras
escolas, explica Joaquim Azevedo. E foi dada “a garantia da confidencialidade
dos dados recolhidos”. A amostra (2910 respostas) não é estatisticamente
representativa do universo dos docentes, em termos rigorosos, mas fica muito
próxima (se se considerar um nível de confiança de 8%). “Por isso, eu extrapolo
os dados sem grande margem de erro”, remata Joaquim Azevedo.
Não estranhei nada estas parangonas, mais discretas do que pensava que seriam, sobre os resultados do inquérito feito aos professores.
ResponderEliminarJá são quase 32 anos de docência e cada vez mais sinto uma crescente inércia para abraçar os inícios de novos anos lectivos, felizmente descobrindo reservas de energia onde pareciam não existir e tentando levar a bom termo onze meses de mais uma etapa de trabalho num mar de desapoios com ilhéus de motivação.
Parece que se está cada vez mais a leste e menos no paraíso.
Gostei da tua resposta, pela coragem de dizer as coisas como (parece) elas são.
EliminarEncolhi o «parece» porque, como sabes, agora já não sou uma «testemunha».
Quis divulgar este inquérito para que possamos (sinto-me ainda parte de uma equipa) reagir e voltar a exigir aquilo que nos retiraram, a nós professores, mas sobretudo aos alunos.
Um abraço a todos os que trabalham nas escolas!